O meio cervejeiro é "machista"?

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9 anos 11 meses atrás - 9 anos 11 meses atrás #58836 por Fernando Pires
Como exemplo próprio, falo da ET Hipster Ale que faz menção às pessoas que seguem tendências e ditam moda. Ela é uma das APAs que mais gosto, e não costumo seguir tendências ou tentar ditar moda, mesmo estando aberto a provar novos sabores, sigo apenas o meu paladar. Não me identifico com o rótulo, nem com o dizeres dele, poderia eu me revoltar e deixar de bebê-la, fazendo protesto midiático, poderia. O que eu fiz: apenas achei graça, digo minha opinião rejeitando a identificação, mas continuo bebendo ela quando posso :whistle:
Ultima edição: 9 anos 11 meses atrás por Fernando Pires.
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9 anos 11 meses atrás #58837 por Milu Lessa
Respondido por Milu Lessa no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Alexandre Almeida Marcussi escreveu:

Gabriel Rogel escreveu: Marcussi, o termo Brazilian Wax se refere a uma técnica, originalmente brasileira, de depilação, é uma tecnica muito dolorosa, como a maioria das depilações (homens também podem fazer depilação). Como se pode ver no texto ao lado, em inglês, a nome faz referência ao extremo da técnica de depilação e o extremo da cerveja, de 10.5% vol alc.


Gabriel, vou pegar carona no seu argumento para dar continuidade à análise do rótulo que você iniciou. A técnica mencionada pelo rótulo (Brazilian wax) é uma técnica dolorosa ou, como diz o rótulo, "extrema", porque consiste em remover a totalidade dos pêlos da virilha, deixando, opcionalmente, uma tira de pêlos acima da genitália (o famoso "bigodinho de Hitler"). Qual é o seu objetivo principal? Ela é feita para que a mulher use bikinis super cavados sem que nenhum pêlo apareça, e serve também para o apreço do/a companheiro/a sexual da moça. Bikinis, como sabemos, são trajes de banho que enfatizam a sensualidade do corpo feminino e permitem que ele seja objeto de apreciação estética, de natureza essencialmente erótica, prioritariamente da parte dos homens. Até aí, acho que estamos de acordo, certo?

Isso tudo pode ser inferido pelo nome do produto: Imperial Brazilian Wax. Passemos à imagem. O rótulo traz uma forma triangular invertida, de cor amarela (uma das cores da bandeira do Brasil), sobre um fundo marrom claro. Não é preciso ter muita imaginação para ver, no rótulo, a representação estilizada de um bikini amarelo no corpo de uma mulher. Se se trata da parte da frente ou da parte de trás do bikini, isso não pode ser determinado com certeza. A julgar pela curva nas faces inferiores do triângulo, meu palpite seria a parte de trás, com um bikini de modelo fio dental (outra coisa tipicamente associada ao Brasil, lá fora). Isso faz com que o fundo da imagem seja, necessariamente, a pele da mulher que veste o bikini. A coloração da pele, um marrom claro para médio, indica uma mulher muito bronzeada (já que o bikini é usado na praia) ou, mais possivelmente, uma mulher mulata. Ora, a mulata é um ícone da identidade brasileira desde, pelo menos, os anos 1930. Sabendo que a cervejaria está elencando elementos tipicamente nacionais na imagem (a cor amarela, a técnica associada ao Brasil, a praia, talvez o fio dental), acho razoável considerar que se trata da representação de uma mulata de bikini. Mas é a representação da mulata de bikini de corpo inteiro? Não. É a representação apenas e tão-somente da parte do quadril dessa mulher, enfatizando sua genitália ou (na minha interpretação), sua bunda. De qualquer forma, é preciso concordar que é uma representação eminentemente sexualizada da mulher em questão - mesmo que essa sexualização esteja "acobertada" por um trabalho formal de estilização da imagem.

Agora analisemos o texto descritivo do rótulo. E, aqui, eu traduzo para os que não entendem o inglês: "Há muito que os homens não entendem sobre as mulheres. Por exemplo, por que elas suportam tanta dor para corresponder aos ideais da sociedade moderna? Elas estão indo longe demais? Ou talvez os homens possam aprender uma ou outra coisa a respeito do comprometimento extremo das mulheres com a perfeição - seja beleza extrema, seja cerveja extrema - é tudo questão de gosto. Lembre-se de que, quando você beber esta stout extrema, ela pode doer um pouco, mas às vezes é preciso aguentar até o fim para ficar perfeito."

O texto começa fazendo uma referência à técnica de depilação, dizendo que as mulheres se submetem a ela para atender aos padrões da sociedade moderna. Ou seja, não é exatamente por vontade própria: é para atender padrões. [isso quem está dizendo é a Evil Twin, não sou eu, OK?] O texto igualmente sugere que a prática seria um "excesso" (ir "longe demais"). Na sequência, isso é confirmado: trata-se de um comprometimento "extremo", para se atingir uma "beleza extrema". Porque, para que a aparência da mulher fica "perfeita" ("right", no original), ela precisa sofrer.

Algumas coisas podem ser depreendidas da análise conjunta desses três elementos do rótulo (nome, imagem e texto):

1. Na visão do idealizador do rótulo, há uma associação estreita entre o Brasil e a sexualidade feminina, em especial aquele tipo de sexualidade que se oferece como objeto passivo de contemplação e de deleite sexual para os homens (por meio do bikini e da virilha lisinha). Essa sexualidade ainda se reveste de tons raciais, na medida em que a mulher que se oferece como objeto de satisfação erótica não é branca: ela é morena de sol ou, mais provavelmente, mulata. Isso evoca todos aqueles estereótipos historicamente construídos sobre o Brasil que eu já mencionei em outra postagem, e reforça a representação da mulher brasileira como sexualmente disponível para o deleite dos homens estrangeiros. Há um segundo subtexto aqui, num nível mais profundo de interpretação: o rótulo evoca, de forma sutilíssima, o secular lugar-comum do racismo de que as raças negras ou mestiças seriam mais sexualizadas e promíscuas. (quanto mais mexe, mais fede)

2. O rótulo sugere ainda que a busca da perfeição, por parte da mulher, deve envolver dor e submissão a padrões que não são totalmente volitivos. E o que significa, para a mulher, ser "perfeita"? Significa ser bela. Ou seja, ser objeto de contemplação para homens. A perfeição feminina não é representada em termos profissionais, éticos ou intelectuais, mas sim em termos físicos e, mais especificamente, eróticos e sexuais. A depilação é um procedimento doloroso ao qual a mulher precisa se submeter para ser "perfeita", ou seja, para poder usar um bikini cavado na praia e ser avaliada de forma positiva como objeto de satisfação erótica. Ninguém perguntou se ela deseja esse tipo de olhar ou aprovação masculina: ele é naturalizado como índice de avaliação da "perfeição" e índice de medição do valor e dos esforços da mulher.

Em termos muito resumidos: mulher tem que sofrer para atender ao deleite sexual dos homens. E, como corolário: mulher brasileira/mestiça tem que sofrer para atender ao deleite sexual dos homens estrangeiros/brancos. Quando uma cervejaria dinamarquesa usa essa imagem para seu primeiro (primeiro!) rótulo produzido no Brasil, o recado que ela dá, nas entrelinhas, é que isso é o que os estrangeiros estão esperando do Brasil e, mais especificamente, da mulher brasileira, em primeiro lugar. Todo o resto vem depois.

Desculpe a extensão do texto, mas resolvi fazer um exercício de análise semiótica para mostrar que tem um monte de subtextos muito, mas muito complicados nesse rótulo. E, antes que alguém diga: "mas ninguém vai ver isso", ou "você está achando pêlo em ovo", eu digo que tudo isso passou pela minha cabeça imediatamente quando eu olhei o rótulo pela primeira vez, não precisei fazer esforço para "enfiar" no rótulo o que não existia. Tenho certeza de que também passou na mente de muita gente que tem familiaridade com essas questões. Essas mensagens estão aí, de forma codificada, no rótulo, e alguém com capacidade de interpretação e leitura pode se dar conta delas conscientemente. Aqueles que não se derem ao trabalho de fazer esse tipo de análise semiótica, podem não perceber conscientemente essas mensagens, mas pode ter certeza de que elas vão continuar aí, e que o seu subconsciente vai ter entendido isso direitinho, mesmo que você não verbalize.


Sensacional, young jedi master! No link que eu coloquei aqui (e ninguém clicou, pelo visto), o jornalista Marcio Beck já traz algumas dessas questões sobre o rótulo, mas não com tamanha profundidade, mesmo porque não cabe no espaço do artigo no jornal. Agora todo mundo está conseguindo ver qual o problema das mulheres com esse rótulo? Algum homem que diz que não tinha visto NADA de errado tinha feito essa análise em profundidade ou se atentado pra essas coisas todas que o Marcussi chama a atenção? Para pessoas destreinadas ou que não estão familiarizadas com o assunto, muita coisa passa batida. Daí elas dizem que não vêem nada de errado e passam a afirmar que quem vê está achando pêlo em ovo, sem sequer parar para considerar que talvez essas outras pessoas, por lidarem com questões dessa natureza diariamente e/ou há muito mais tempo, consigam ver coisas que elas não conseguem, assim como um degustador treinado consegue achar um monte de aromas e sabores "absurdos" numa cerveja, segundo o conhecimento de um leigo.

As feministas já haviam discutido tudo isso entre elas ANTES de decidir ir reclamar do rótulo para e Evil Twin. E Maurício, ao contrário do que vc gosta de dizer, não foi uma reles meia dúzia que se ofendeu, não. Só na comunidade de que participo, esse rótulo gerou indignação coletiva e lá há mais de 100 mulheres. Como já disseram aqui antes, vc realmente acha que a ET se daria ao trabalho de criar outro rótulo, nome e texto pra cerveja por causa de uma reclamação tão pífia? Isso não faz sentido do ponto de vista comercial. E não se engane, o Jeppe não mudou porque se compadeceu pela causa, como ele mesmo deixou claro numa entrevista posterior à mudança, foi tudo pelo vil metal e pelo medo dos danos que esse rótulo poderia causar à imagem da cervejaria.

Moral da história: homens, antes de vcs dizerem que a maldade está na cabeça de quem vê, que é implicância das mulheres, que é falta de bom humor ou falta do que fazer, procurem conversar com as mulheres que estão reclamando para entender o motivo da reclamação delas, procurem ouvi-las, mas ouvi-las de verdade, sem ficar na defensiva e já desqualificar tudo que elas dizem já a priori -- com frases infames como "prevejo mimimi" -- porque uma coisa eu posso garantir: uma feminista SEMPRE conseguirá embasar todas as suas opiniões. Não existe isso de "me ofendi porque sim".
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9 anos 11 meses atrás - 9 anos 11 meses atrás #58838 por Fernando Pires
Um show de retórica que estamos tendo aqui neste tópico, muitos pontos de vista e várias correntes de pensamento. Retirei várias conclusões e encerrando minha participação digo:

Machismo como qualquer outro preconceito existe em maior ou menor grau, seja em uma citação; numa propaganda ou em um rótulo (pode até não existir e mesmo assim alguém vai achar que existe), cada um irá interpretar conforme sua formação; capacidade; inteligência e entendimento.

Existe machismo no meio cervejeiro ARTESANAL, existe. Aconteceu machismo no rótulo em questão do tópico, sim. Esse machismo foi capaz de ofender a minha moral como brasileiro, não, pois achei apenas de mau gosto e não farei qualquer protesto por achar insignificante, muito menos deixarei de beber a cerveja, nem frequentar bares com rótulos e cartazes análogos.

O importante é o que faremos quando estivermos diante de um possível machismo, no caso aqui do tópico, de um rótulo. Muitos nem vão se dar ao trabalho de tentar entender; alguns vão entender e se consternar; enquanto outros também vão entender e não vão dar importância por achar insignificante em termos de censura, proibição ou ofensa.

Uns se ofendem por pouco, outros por muito. O que também é uma coisa subjetiva, o que é pouco pra mim pode ser muito pra vc.
Em termos filosóficos, o que irá agregar mais positivamente à sociedade: ser mais tolerante e menos ativista ou importar-se com os mínimos detalhes e "brigar" por qualquer sinal de fumaça?

Na minha opinião, prefiro achar que (atualmente) com tanto extremismo e radicalismo que no fim (geralmente) leva a insultos, agressões e mortes, prefiro ser mais tolerante e menos ativista, muitas das vezes entendendo o preconceito (às vezes nem achando que existe), mas não dando importância por coisas que achar banal (subjetivo), preferindo me indignar com assuntos que realmente produzirem censura real, achando que assim estarei contribuindo para um avanço da sociedade.

Mas cada um é cada um, viva a liberdade de expressão e entendimento.

Abraços.
Ultima edição: 9 anos 11 meses atrás por Fernando Pires.
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9 anos 11 meses atrás #58839 por Claudinei  

Gustavo Guedes escreveu: Em festivais de cerveja (artesanal), qual é o papel da mulher, em geral? Ser a promotora gostosona do estande para chamar atenção de nós, marmanjos.

Tem promotor bonitão pra chamar atenção das mulheres? não.


A idéia de colocar promotores homens bonitões no intuito de agradar as mulheres e combater o suposto machismo no meio cervejeiro é muito boa e fácil de ser colocada em prática, Gustavo. Entretanto, pode surgir aí um novo problema: você ser acusado de homofobia por mulheres lésbicas (feministas ou não) que enxergarem na sua iniciativa uma possível reafirmação da idéia majoritariamente aceita e difundida de que "mulher gosta de homem". Sei que pode soar cafona, pedante até, mas a possibilidade existe.

                                                                                      *          *          *

No mais, embora não seja um tema de grande atratividade a este que escreve, tenho acompanhado e reconheço o brilhantismo do presente debate. Parabéns a todos os envolvidos!
 
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9 anos 11 meses atrás #58840 por Burrito Ortega

Milu Lessa escreveu:

Alexandre Almeida Marcussi escreveu:

Gabriel Rogel escreveu: Marcussi, o termo Brazilian Wax se refere a uma técnica, originalmente brasileira, de depilação, é uma tecnica muito dolorosa, como a maioria das depilações (homens também podem fazer depilação). Como se pode ver no texto ao lado, em inglês, a nome faz referência ao extremo da técnica de depilação e o extremo da cerveja, de 10.5% vol alc.


Gabriel, vou pegar carona no seu argumento para dar continuidade à análise do rótulo que você iniciou. A técnica mencionada pelo rótulo (Brazilian wax) é uma técnica dolorosa ou, como diz o rótulo, "extrema", porque consiste em remover a totalidade dos pêlos da virilha, deixando, opcionalmente, uma tira de pêlos acima da genitália (o famoso "bigodinho de Hitler"). Qual é o seu objetivo principal? Ela é feita para que a mulher use bikinis super cavados sem que nenhum pêlo apareça, e serve também para o apreço do/a companheiro/a sexual da moça. Bikinis, como sabemos, são trajes de banho que enfatizam a sensualidade do corpo feminino e permitem que ele seja objeto de apreciação estética, de natureza essencialmente erótica, prioritariamente da parte dos homens. Até aí, acho que estamos de acordo, certo?

Isso tudo pode ser inferido pelo nome do produto: Imperial Brazilian Wax. Passemos à imagem. O rótulo traz uma forma triangular invertida, de cor amarela (uma das cores da bandeira do Brasil), sobre um fundo marrom claro. Não é preciso ter muita imaginação para ver, no rótulo, a representação estilizada de um bikini amarelo no corpo de uma mulher. Se se trata da parte da frente ou da parte de trás do bikini, isso não pode ser determinado com certeza. A julgar pela curva nas faces inferiores do triângulo, meu palpite seria a parte de trás, com um bikini de modelo fio dental (outra coisa tipicamente associada ao Brasil, lá fora). Isso faz com que o fundo da imagem seja, necessariamente, a pele da mulher que veste o bikini. A coloração da pele, um marrom claro para médio, indica uma mulher muito bronzeada (já que o bikini é usado na praia) ou, mais possivelmente, uma mulher mulata. Ora, a mulata é um ícone da identidade brasileira desde, pelo menos, os anos 1930. Sabendo que a cervejaria está elencando elementos tipicamente nacionais na imagem (a cor amarela, a técnica associada ao Brasil, a praia, talvez o fio dental), acho razoável considerar que se trata da representação de uma mulata de bikini. Mas é a representação da mulata de bikini de corpo inteiro? Não. É a representação apenas e tão-somente da parte do quadril dessa mulher, enfatizando sua genitália ou (na minha interpretação), sua bunda. De qualquer forma, é preciso concordar que é uma representação eminentemente sexualizada da mulher em questão - mesmo que essa sexualização esteja "acobertada" por um trabalho formal de estilização da imagem.

Agora analisemos o texto descritivo do rótulo. E, aqui, eu traduzo para os que não entendem o inglês: "Há muito que os homens não entendem sobre as mulheres. Por exemplo, por que elas suportam tanta dor para corresponder aos ideais da sociedade moderna? Elas estão indo longe demais? Ou talvez os homens possam aprender uma ou outra coisa a respeito do comprometimento extremo das mulheres com a perfeição - seja beleza extrema, seja cerveja extrema - é tudo questão de gosto. Lembre-se de que, quando você beber esta stout extrema, ela pode doer um pouco, mas às vezes é preciso aguentar até o fim para ficar perfeito."

O texto começa fazendo uma referência à técnica de depilação, dizendo que as mulheres se submetem a ela para atender aos padrões da sociedade moderna. Ou seja, não é exatamente por vontade própria: é para atender padrões. [isso quem está dizendo é a Evil Twin, não sou eu, OK?] O texto igualmente sugere que a prática seria um "excesso" (ir "longe demais"). Na sequência, isso é confirmado: trata-se de um comprometimento "extremo", para se atingir uma "beleza extrema". Porque, para que a aparência da mulher fica "perfeita" ("right", no original), ela precisa sofrer.

Algumas coisas podem ser depreendidas da análise conjunta desses três elementos do rótulo (nome, imagem e texto):

1. Na visão do idealizador do rótulo, há uma associação estreita entre o Brasil e a sexualidade feminina, em especial aquele tipo de sexualidade que se oferece como objeto passivo de contemplação e de deleite sexual para os homens (por meio do bikini e da virilha lisinha). Essa sexualidade ainda se reveste de tons raciais, na medida em que a mulher que se oferece como objeto de satisfação erótica não é branca: ela é morena de sol ou, mais provavelmente, mulata. Isso evoca todos aqueles estereótipos historicamente construídos sobre o Brasil que eu já mencionei em outra postagem, e reforça a representação da mulher brasileira como sexualmente disponível para o deleite dos homens estrangeiros. Há um segundo subtexto aqui, num nível mais profundo de interpretação: o rótulo evoca, de forma sutilíssima, o secular lugar-comum do racismo de que as raças negras ou mestiças seriam mais sexualizadas e promíscuas. (quanto mais mexe, mais fede)

2. O rótulo sugere ainda que a busca da perfeição, por parte da mulher, deve envolver dor e submissão a padrões que não são totalmente volitivos. E o que significa, para a mulher, ser "perfeita"? Significa ser bela. Ou seja, ser objeto de contemplação para homens. A perfeição feminina não é representada em termos profissionais, éticos ou intelectuais, mas sim em termos físicos e, mais especificamente, eróticos e sexuais. A depilação é um procedimento doloroso ao qual a mulher precisa se submeter para ser "perfeita", ou seja, para poder usar um bikini cavado na praia e ser avaliada de forma positiva como objeto de satisfação erótica. Ninguém perguntou se ela deseja esse tipo de olhar ou aprovação masculina: ele é naturalizado como índice de avaliação da "perfeição" e índice de medição do valor e dos esforços da mulher.

Em termos muito resumidos: mulher tem que sofrer para atender ao deleite sexual dos homens. E, como corolário: mulher brasileira/mestiça tem que sofrer para atender ao deleite sexual dos homens estrangeiros/brancos. Quando uma cervejaria dinamarquesa usa essa imagem para seu primeiro (primeiro!) rótulo produzido no Brasil, o recado que ela dá, nas entrelinhas, é que isso é o que os estrangeiros estão esperando do Brasil e, mais especificamente, da mulher brasileira, em primeiro lugar. Todo o resto vem depois.

Desculpe a extensão do texto, mas resolvi fazer um exercício de análise semiótica para mostrar que tem um monte de subtextos muito, mas muito complicados nesse rótulo. E, antes que alguém diga: "mas ninguém vai ver isso", ou "você está achando pêlo em ovo", eu digo que tudo isso passou pela minha cabeça imediatamente quando eu olhei o rótulo pela primeira vez, não precisei fazer esforço para "enfiar" no rótulo o que não existia. Tenho certeza de que também passou na mente de muita gente que tem familiaridade com essas questões. Essas mensagens estão aí, de forma codificada, no rótulo, e alguém com capacidade de interpretação e leitura pode se dar conta delas conscientemente. Aqueles que não se derem ao trabalho de fazer esse tipo de análise semiótica, podem não perceber conscientemente essas mensagens, mas pode ter certeza de que elas vão continuar aí, e que o seu subconsciente vai ter entendido isso direitinho, mesmo que você não verbalize.


Sensacional, young jedi master! No link que eu coloquei aqui (e ninguém clicou, pelo visto), o jornalista Marcio Beck já traz algumas dessas questões sobre o rótulo, mas não com tamanha profundidade, mesmo porque não cabe no espaço do artigo no jornal. Agora todo mundo está conseguindo ver qual o problema das mulheres com esse rótulo? Algum homem que diz que não tinha visto NADA de errado tinha feito essa análise em profundidade ou se atentado pra essas coisas todas que o Marcussi chama a atenção? Para pessoas destreinadas ou que não estão familiarizadas com o assunto, muita coisa passa batida. Daí elas dizem que não vêem nada de errado e passam a afirmar que quem vê está achando pêlo em ovo, sem sequer parar para considerar que talvez essas outras pessoas, por lidarem com questões dessa natureza diariamente e/ou há muito mais tempo, consigam ver coisas que elas não conseguem, assim como um degustador treinado consegue achar um monte de aromas e sabores "absurdos" numa cerveja, segundo o conhecimento de um leigo.

As feministas já haviam discutido tudo isso entre elas ANTES de decidir ir reclamar do rótulo para e Evil Twin. E Maurício, ao contrário do que vc gosta de dizer, não foi uma reles meia dúzia que se ofendeu, não. Só na comunidade de que participo, esse rótulo gerou indignação coletiva e lá há mais de 100 mulheres. Como já disseram aqui antes, vc realmente acha que a ET se daria ao trabalho de criar outro rótulo, nome e texto pra cerveja por causa de uma reclamação tão pífia? Isso não faz sentido do ponto de vista comercial. E não se engane, o Jeppe não mudou porque se compadeceu pela causa, como ele mesmo deixou claro numa entrevista posterior à mudança, foi tudo pelo vil metal e pelo medo dos danos que esse rótulo poderia causar à imagem da cervejaria.

Moral da história: homens, antes de vcs dizerem que a maldade está na cabeça de quem vê, que é implicância das mulheres, que é falta de bom humor ou falta do que fazer, procurem conversar com as mulheres que estão reclamando para entender o motivo da reclamação delas, procurem ouvi-las, mas ouvi-las de verdade, sem ficar na defensiva e já desqualificar tudo que elas dizem já a priori -- com frases infames como "prevejo mimimi" -- porque uma coisa eu posso garantir: uma feminista SEMPRE conseguirá embasar todas as suas opiniões. Não existe isso de "me ofendi porque sim".


esse é o post mais arrogante que eu já vi.

quanto ao debate, parabéns aos envolvidos. altíssimo nível, blablabla.
cada um com sua cruz e sua causa. feministas gostam de rotular mas não aceitam nenhum rótulo. a vida é uma via de mão dupla, o mundo é um lugar frio e duro, onde espreitam uma série de riscos e infortúnios, não só de Marcussis e sua retórica embasada são feitos os caminhos da nossa estada.
relaxem, bebam a metro man, divirtam-se com amigos e famílias.
um bom 2015!
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9 anos 11 meses atrás #58847 por Jota Fanchin Queiroz

Alexandre Almeida Marcussi escreveu:

Jota Fanchin Queiroz escreveu: Duzentas páginas de discussão e nenhum único exemplo de caso onde as mulheres tenham sido denegridas ou tenham tido sua dignidade ferida. [...] caso concreto que é bom nenhum.


Jota, se você quiser casos concretos de violência física contra a mulher, procure nas delegacias de polícia. Não é disso que estamos falando aqui, então não adianta você demandar esse tipo de coisa. Machismo não se reduz a isso, esse é apenas o caso extremo da barbaridade do machismo. Estamos falando em representações e em discursos - portanto, no plano simbólico - que podem causar constrangimento às mulheres, reforçar papeis e expectativas que elas não querem cumprir. Quando reclamações femininas são respondidas com "falta rola", acho que podemos dizer que existe uma hostilidade muito aberta e agressiva, sim.

A propósito: qual é o seu trauma em relação à FFLCH/USP? :P


Marcussi,
Nenhum trauma. É só a constatação do foco originário dessa retórica vazia. Eu entendo o que você quer dizer e se você quer conceituar isso como machismo que seja. O ponto que eu quero chegar (e até isso já nos foi tirado) é que não pode existir crime sem dano.
Ora se eu digo que mulher não deve ir ao bar porque é coisa de homem, o ridículo sou eu. As mulheres continuarão indo ao bar se quiserem pq eu não as impeço. Seria algo a se preocupar se as mulheres estivessem sendo impedidas de ir ao bar, ou ofendidas, ou constrangidas. Apenas eu e mais uma duzia de idiotas dizer que elas não devem ir pq é masculino não significa nada.
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