Estive nesse final de semana num Bar Brejas lotado de amigos -- e amigas. Aproveitei e resolvi colocar em prática o mesmo teste que o Marcussi colocou na casa dele (mostrou o rótulo e 3 mulheres se indignaram ao vê-lo). Claro que, em ambos os casos, tratam-se de testes sem qualquer validade estatística. Mas servem pra medir o sentimento geral do grupo de pessoas que nos cercam.
Assim, apresentei a imagem do rótulo Brazilian Wax (que estava no meu celular) pra 12 meninas, das mais diversas idades (não perguntei pra não ser invasivo, mas creio que de 23 a 50 anos, e uma delas com quase 60). Todas amigas ou conhecidas, pelo que sei que são pensamentos heterogêneos, formas de pensar totalmente diferentes. Nenhuma feminista (não que se declarasse como tal).
Pra, digamos, "validar" a experiência, mostrei o rótulo em diversos momentos. Na mesa, pra várias meninas ao mesmo tempo (dando, portanto, razão para que conversassem entre si) ou pra uma ou outra em particular. Pra me sentir mais seguro ainda, não esbocei NENHUMA reação anterior, nenhum conceito predefinido. Simplesmente mostrei e perguntei, sem inflexão depreciativa ou irônica na minha voz, se elas achavam "machista" aquele rótulo. Quase todas elas leram o conteúdo descritivo. As que não liam inglês, eu dei uma ajuda. Mas sem qualquer inflexão de voz.
Resultado: 11 a meio. Só UMA das meninas entendeu que, pensando bem e procurando bastante, o rótulo se parecia com uma mulher morena de biquíni. Mesmo assim, não entendeu que aquilo poderia incitar comportamentos machistas.
Mas nenhuma delas, nenhuma, relacionou o rótulo a turismo sexual, obrigação da mulher em se depilar, associação estreita entre o Brasil e a sexualidade feminina, reforço da representação da mulher brasileira como sexualmente disponível para o deleite dos homens estrangeiros, racismo, necessidade de busca da perfeição com dor e submissão a padrões que não são totalmente volitivos, ou nada que remetesse à análise semiótica do Marcussi, feita à página 13 deste tópico.
Pra um grupo delas, que questionou a razão da minha pergunta, mostrei esse tópico pra colocar lenha no papo, sobretudo a análise já comentada. Todas elas, TODAS, se referiam ao caso com termos do tipo "absurdo", ou outros que prefiro aqui não transcrever pra não ofender.
De forma que, após essas longas discussões, prefiro enaltecer um termo: SENSO COMUM. E aqui pinço algumas definições da expressão contidas na Wikipedia:
"O senso comum descreve as crenças e proposições que aparecem como normais, sem depender de uma investigação detalhada para alcançar verdades mais profundas como as científicas. (...) No senso comum não há análise profunda e sim uma espontaneidade de ações relativa aos limites do conhecimento do indivíduo que vão passando por gerações; o senso comum é o que as pessoas comuns usam no seu cotidiano, o que é natural e fácil de entender, o que elas pensam que seja verdade e que lhe traga resultados práticos herdados pelos costumes."
Nessa linha, questiono aqui alguns argumentos colocados pela amiga Milu Lessa na página 14:
DIZ MILU: "Para pessoas destreinadas ou que não estão familiarizadas com o assunto, muita coisa passa batida."
PERGUNTO EU: Pra se indignar com algo, é realmente preciso estar "treinado"? Será que esse "treino" não é um subterfúgio que sai do senso comum e adentra ao reino das suposições, dando certa razão para certas reclamações serem taxadas de "vitimistas"? Então quem não está devidamente "treinado" está cego? Seria esse "treino" uma espécie de doutrinação, se feito em níveis que fogem ao senso comum? Vou longe agora, mas alguns militantes muçulmanos estão "treinados" pra enxergarem ofensa nas imagens de Maomé, enquanto a imensa maioria dos adeptos dessa religião não vê problema nisso... Olha o problema...
DIZ MILU: "(...) talvez essas outras pessoas, por lidarem com questões dessa natureza diariamente e/ou há muito mais tempo, consigam ver coisas que elas não conseguem, assim como um degustador treinado consegue achar um monte de aromas e sabores "absurdos" numa cerveja, segundo o conhecimento de um leigo."
PERGUNTO EU: Precisa ser "profissional" pra ficar ofendido? Então não é ofensa! Como se falou de cerveja, respondo: pros juízes profissionais de cerveja, a análise de defeito só acontece quando estamos trabalhando (em concursos, dentro de fábricas, avaliando em pontos-de-venda etc). Quando estamos tomando cerveja recreativamente, só nos importamos com defeito de cerveja se ele é realmente grande, a ponto de prejudicar o nosso prazer. Entendemos que toda cerveja, se for buscar tem um defeitinho ou outro. Mas, na mesa do bar, usamos nosso senso comum pra não nos importar com ele. Um profissional de cervejas não é um caçador de defeitos, a impor suas próprias percepções a outras pessoas que não são treinadas. Se o cara do meu lado acha a cerveja que ele está tomando ótima, não sou eu, embora treinado, que vou contra o senso comum dele.
DIZ MILU: "E Maurício, ao contrário do que vc gosta de dizer, não foi uma reles meia dúzia que se ofendeu, não. Só na comunidade de que participo, esse rótulo gerou indignação coletiva e lá há mais de 100 mulheres."
PERGUNTO: A comunidade é de feministas, confere? Obviamente, todas treinadas, confere também?
DIZ MILU: "(...) porque uma coisa eu posso garantir: uma feminista SEMPRE conseguirá embasar todas as suas opiniões."
RESPONDO: Sim, uma feminista consegue, assim, como todos os demais seres do planeta que possuem discernimento. Feministas, embora algumas não enxerguem esse fato, são moralmente iguais a todos os outros humanos. Mas aí vai depender desse embasamento. Se for uma opinião vinda de alguém "treinado", claro que vai refletir a opinião geral daquele grupo humano. Se esse embasamento for contra o senso comum, vai gerar um natural estranhamento na maioria. O que não pode acontecer é essa opinião contrária ao senso comum ser enfiada goela abaixo de todo mundo. Feministas (ou qualquer outro movimento) têm o direito inequívoco de expressar suas opiniões livremente. Mas devem entender que devem também respeitar o direito de alguém se insurgir contra essas opiniões sem ser ofendido. Liberdade de pensamento não tem mão única.
Assim, respeitadas as opiniões contrárias, prefiro ficar com o senso comum. Pontualmente, não acho o rótulo comentado uma afronta à dignidade feminina.
Não vou dizer, com isso, que não haja casos de machismo no meio cervejeiro artesanal. Viemos de uma cultura que ainda acha que cerveja é "coisa de macho", que beber à exaustão é sinônimo de macheza, e que mulher que bebe cerveja não é "feminina". Como profissionais do meio cervejeiro, trabalhamos duro pra combater esses estereótipos.
Mas me coloco ao lado daqueles que acham que, no meio cervejeiro artesanal, os casos são realmente raros e pontuais, muitíssimo menos recorrentes do que na área "mainstream" onde bundas e peitos ainda vendem cerveja.