Breja Chic

Alexandre Marcussi escreveu:

[desabafo]Acho que o mundo das cervejas está se tornando muito pedante e arrogante. Cansei de ver os pretensos "entendidos" de cerveja criticando os gostos alheios, desqualificando as pessoas, arrotando um conhecimento mesquinho (que, na maioria das vezes, nem correto é), querendo se engrandecer só porque sabem a diferença entre uma ale e uma lager e "não bebem porcaria". Eu prefiro beber porcaria com gente tranquila e respeitosa do que beber ouro líquido com um cervochato que fica querendo dizer que é grande coisa e que tem um paladar mais "refinado" do que o das massas vulgares.[/desabafo]

Rapaz, uma vez fui beber uma cerveja em determinado bar de um certo belga (rs) e tinha um coroa com o filho lá, além de um senhor de mais idade, que aparentemente estava se iniciando em cervejas especiais.

O coroa, em alto brado, dizia pro senhor que ele não deveria perder tempo experimentando as inglesas e alemãs, que eles não entendem porra nenhuma de cerveja, que só as belgas é que prestam, etc e tal.

Minha namorada é testemunha do quanto eu me segurei pra não me meter no assunto. O filho dele ainda veio puxar papo, opinando no que eu deveria beber (tipo, eu sabia muito bem o que iria querer beber aquele dia) e ainda tentou me convencer que não deveria experimentar a Karmeliet de barril porque ela é fraca, que a mesma só presta em garraga de 750ml, nem na de 330ml vale...

Alexandre Marcussi escreveu:

...tenho preferido ultimamente as pessoas "pobres" às pessoas "chiques".

[desabafo]Acho que o mundo das cervejas está se tornando muito pedante e arrogante. ...[/desabafo]

Pois é Marcussi, isso acontece sim, com cerveja e outras coisas e talvez motive esse orgulho com o qual as pessoas exibam seu gosto pela simplicidade, o que pode ser legítimo ou não.

A arrogância se manifesta em formas diversas. Pode ser o cervochato desdenhando as "porcarias", "água suja", "milho" ou o sujeito que prefere hectolitros de cerveja barata desdenhando quem prefere consumir coisas melhores em menor quantidade. Ambos são arrogantes, muito embora o último tenha a pretensão de ser autêntico.

O mundo das cervejas, esse da revolução artesanal, é feito por nós. Falamos sobre isso em mensagens sobre beer evangelismo, sobre o cuidado para não espantar aquele que desejamos convencer e técnicas pra tanto. Se buscarmos o caminho do acolhimento, da abordagem esclarecedora e constante auto-crítica, chegaremos lá.

Gente esnobe, em qualquer área, vai certamente me espantar da mesa. Parte importante da cerveja é a socialização. Certamente é melhor tomar skol com aquele seu amigo divertido que Carolus com cervochato.

E mais que tudo, é importante reconhecer os méritos da cerveja comercial e admitir que existam boas opções nesse meio: isso é muito útil no beer evangelismo porque quando o seu amigo falar que gosta de breja pobre, vc pode responder "eu tb, mas não apenas" e essa é a grande sacada. Não temos que escolher um lado ou outro; podemos até privilegiar algum, mas seremos autênticos apenas quando conhecermos ambos os lados e respeitarmos quem pensa diferente.

Meu gostava de nos repetir uma frase que ele aprendeu no seminário. Lembrei dela e resolvi procurar o autor, fiquei feliz em saber que é de Aristóteles, de sua principal obra sobre Ética (Ética a Nicômaco). Reproduzo abaixo o o trecho que ilumina esse debate, evidenciando a frase que meu pai gostava de nos dizer:

"As virtudes morais consistem em ser um meio entre dois extremos viciosos; em toda quantidade é possível distinguir o excesso, o pouco e uma medida, que é o meio-termo; quando se trata de coisas, o meio-termo é aquele ponto que se encontra em igual distância entre dois pontos extremos, mas quando se trata do homem, o meio-termo é aquilo que não peca nem por excesso e nem por defeito, e esta medida muda muito e não é única para todos os homens. "

'Ética a Nicomaco' no brejas? Eu entro aqui para relaxar e vocês vem me lembrar de trabalho? (brincadeira)

Marcio o autor que estudo na pós-graduação (estou em processo de defesa no dep. de filosofia da Usp) defende o justo contrário que Arístotéles: "The road of excess leads to the palace of wisdom", William Blake.

Mas confesso que neste caso concordo com Aristóteles. (Embora o excesso, por vezes, nos faça, dolorosamente, aprender)

Acho que temos de ter bom senso para dimensionar as coisas quando falamos de cerveja. Afinal, de contas e só uma p*** de uma bebida.

Tendo isso em mente, tratando a questão com leveza, dá pra brincar a vontade com juízos acerca de cervejas. E só ter "common sense"

tiago lucas escreveu:

(...) E só ter "common sense"

Como dizia o John Leblanc (Presidente da Performance Designs):

"the problem about common sense is that it isn't that common"...

Concordo que o exagero possa conduzir à excelência e proporcionar aprendizado, mas esse é apenas um aspecto. De uma forma geral, devo concordar com a mediania aristotélica. Também, fui doutrinado durante toda a infância!!!

A cerveja está passando pelo mesmo processo que o vinho passou há alguns anos, as importadas ou "artesanais" estão ganhando foco em lojas, bares e supermercados, estão sendo achadas com mais facilidade. Para se comprar uma cerveja que não seja "a de sempre" basta ir ao Carrefour, Sonda, Extra, Pão de Açúcar... Até a popular rede Dia% já tem Baden Baden em algumas lojas. As macro-cervejarias ajudam nisso, a FEMSA traz e produz cervejas "diferentes": Heineken, Gold, Bavaria Premium, Sol da garrafa transparente, Dos Equis. A AmBev idem, além da linha especial da Bohemia, que não é uma Brastemp mas também não é das mais desgraçadas, traz (ou trouxe) Franziskaner, Leffe, Hoegaarden, Belle-Vue, Stella Artois, Beck's, etc.

Esta "exposição" tem os dois lados, atrái uma série de curiosos que estão de fato buscando um diferencial mas também atrái uma legião de interessados em aparecer.

Muitas pessoas se justificam pelos produtos que consomem, muitas pessoas se qualificam ou qualificam outrem pelos produtos que consomem, e quando o assunto é gastronomia é preciso mostrar conhecimento. Isso é muito evidente no mundo do vinho, já participei de fóruns sobre o tema e um dos motivos pelos quais não participo hoje é justamente pelo pedantismo de muitos, tanta arrogância, exibicionismo e ostentação. Da noite pro dia o sujeito se entitula "doutor" porque baixou uma apostila de fonte duvidosa que achou no Google-pesquisa e bebeu um vinho de cem reais, a partir dai se considera sofisticado, mal sabendo o que está bebendo.

Infelizmente esses estereotipados estão se interessando por cervejas e já temos muitos exemplares da espécime soltos por ai falando asneiras e tentando beerevangelizar os amigos da maneira mais errada que existe.