Vou colocar o que penso sobre o assunto através de um causo recente...
No começo de 2014, quando pensávamos a Colorado Carambreja (a cerveja comemorativa de 5 anos do Bar Brejas), nos deparamos com felizes coincidências. Vimos que a "alma" da cerveja era essencialmente feminina, já que:
- A ideia de juntar a carambola com o manjericão era uma ideia antiga da Fabiana Panobianco, minha mulher e sócia do Bar Brejas;
- O estilo Belgian Saison foi, por assim dizer, "desenvolvido" pelas mulheres mães de família do sul da Bélgica, que faziam as cervejas no final do inverno para os trabalhadores sazonais das suas fazendas ("les saisonniers"), e até mesmo por isso o estilo também é chamado de farmhouse ale;
- A execução da receita nas panelas de testes e, posteriormente, também nos tanques, ficou a cargo de duas cervejeiras mulheres da Colorado (Bianca Franzini e Fernanda Ueno).
As coincidências eram de encher de orgulho, exceto por uma preocupação que logo nos assaltou: como dizer às pessoas que a Carambreja é uma cerveja feminina sem ofender as feministas radicais? Sim, pois há uma meia-dúzia delas, nas redes sociais ligadas ao meio cervejeiro artesanal, para quem tudo pode virar ofensa, desde o sexismo inadvertido até o mais intencional e rasgado elogio. Tudo ofende. Chamar mulheres cervejeiras de musas ofende. A propaganda da Amazon Beer com a deusa das águas ofende. A propaganda da Colorado Allez Les Bleus ofende. Chamar cerveja de Brazilian Wax ofende. Comentar que isso tudo, a princípio, pode não ser ofensivo... ofende! No final, nós todos, homens e mulheres envolvidos no projeto da Carambreja, decidimos que a história ia ser contada, ofendesse quem ofendesse (até agora ninguém berrou, mas pode ser que alguém apareça dizendo-se ofendido).
O mais triste é que, em geral, o patrulhamento do politicamente correto se esconde atrás da capa de opinião pública consolidada. Esse pessoal mais radical, embora sejam poucos, grita tão forte é é tão organizado que, como no caso da Evil Twin e sua Brazilian Wax, pensa-se que é um monte de gente reclamando. Enquanto, como se viu em mídias sociais, a esmagadora maioria (também das mulheres) não enxerga maldade nenhuma nas iniciativas.
Mas ai de quem ousa discordar! Especialmente no caso do feminismo radical, a simples discordância o torna machista (ou, no léxico característico, "misógino"). Se for mulher, você é uma cega tapada conivente com o machismo. Homens são vistos, sem exceção (e até os defensores do radicalismo feminista!) como "opressores". Bem... falo agora por mim. Pra quem dá um duro danado no bar convencendo as pessoas que cerveja é, sim, coisa de mulher; pra quem roda o país dando curso de sommelier de cerveja pra desmistificar o machismo da bebida; pra quem tem a mulher como sócia atuante em bar de cerveja; pra quem escreve livro defendendo a tese de que as mulheres foram as descobridoras da cerveja... ser chamado de machista "misógino", cansa. Com o perdão da palavra, enche o saco.
E posso contar um segredo? Estou há mais de uma década nesse meio cervejeiro e posso atestar, sem medo de errar, que o setor todo está muito feliz com a crescente inclusão das mulheres como cervejeiras, sommelières, empresárias, degustadoras, promoters, alunas, ou o que quer que sejam. E tudo em pé de igualdade! Todo mundo está muito contente vendo que os bares e festivais cervejeiros estão a cada dia lotando de mulheres. Me inclua nessa conta! Isso vem acontecendo a olhos vistos, motivo pelo qual, embora respeite, não concordo com o cerne da crítica do confrade Marcussi.
O feminismo é um movimento absurdamente importante como promotor da necessária igualdade entre os sexos. Porém, algumas feministas radicais (e seus defensores) deveriam usar essa energia toda pra preocupar-se com questões muitíssimo mais sérias e urgentes do que eleição de musa e rótulo de cerveja.
Bom, é o que penso. Se ofendi alguém, peço antecipadamente minhas desculpas.