Marcussi, concordo com você em relação ao custo benefício atual na comparação cervejas artesanais x vinhos. Há alguns anos atrás meu foco de degustação e de leitura estava nos vinhos e hoje sinto a diferença em termos de custo quando mergulhei de cabeça nas cervejas. Minha mulher consome vinhos e de fato é inegável a diferença nos gastos. No entanto, acho que tem uma variável importante: o mercado de vinhos parece-me mais consolidado, vide variedade bem maior de pontos de venda ou volume em prateleiras de supermercados (aqui no Rio, por ex, há centenas de supermercados com ótima variedade de vinhos, mas cujas prateleiras ainda não possuem uma cerveja artesanal sequer). Acho que até os nichos dentro do mercado de vinhos me parecem mais consolidados: consumo de luxo, turismo para vinícolas, etc.
No entanto, acho que muitos rótulos de cerveja artesanal têm melhorado o custo benefício. Lembro-me, inclusive, que quando já comprava ótimos vinhos no Rio por 25-30 reais há uns 5-7 anos atrás, cervejas como Delirium, Maredsous, Chimay, Achel pequenas custavam 18-22 reais em poucos pontos de venda pela cidade. Hoje os rótulos de vinhos que eu tomava estão na casa dos 40 reais, mas os rótulos de cerveja citados são encontrados na mesmíssima faixa de preços, ou seja, o custo benefício de vários rótulos “clássicos” melhorou. Na mesma linha, Chimays, St Feullien, Delirium e Maresous 750ml eram o preço de duas boas garrafas de vinho na época - 50 reais - mas hoje uma Chimay, Delirium ou St Feullien grande tem no Rio o mesmo preço de uma boa garrafa de vinho, pois se encontra pelos mesmos 50 reais; Maredsous 750ml se acha até por 39 reais fora de promoção. Navegando aqui pelo Brejas, dá para ver, por ex, que encontrar há 4 anos atrás Chimay 330ml por 15 reais fazia todo mundo correr para o ponto de venda; hoje estes 15 reais são o preço padrão de alguns empórios, Pão de Açúcar e SuperPrix para o rótulo.
Há processos paralelos, que encarecem, por outro lado, muitos rótulos. Tenho a impressão que o mercado de cervejas ainda está em fase de, digamos, "acomodação' no Brasil: mapeamento das preferências de estilo, estudos sobre pontos de venda, distribuição inter regional vivendo ainda problemas importantes, adaptação muito recente do MAPA e por aí vai. Assim, como o mercado de cervejas artesanais ainda é - ou pelo menos é vendido como - "novidade" (vide títulos de reportagens de mídia de massas e alternativa, onde essa expressão quase sempre figura em títulos ou subtítulos) há inclusive consumidores que tem dificuldade de mapear os melhores locais para comprar as brejas.
Conto aqui um causo: um colega de trabalho descobriu que eu me amarro em cervejas e puxou papo comigo sobre o assunto. Ele já bebeu uma quantidade razoável de rótulos, sabe identificar alguns estilos, mas sequer sabia que o Superprix (um dos melhores supermercados do Rio para comprar artesanais, talvez o melhor) vendia cervejas perto da casa dele; quando eu falei dos preços do Superprix, ele tomou um susto, posto que comprava bem mais caro em uma delicatessen.
Considerando o fator "novidade" do mercado de cervejas artesanais, acho que existe uma tensão entre dois processos contraditórios no mercado cervejeiro, mas que não são excludentes: de um lado, temos brejas que chegam ao mercado (seja do exterior ou nacionais) de maneira contínua, com preços aceitáveis (não necessariamente baixos) e mais baratos do que há anos atrás e, de outro, brejas que chegam no sistema vaga lume (surgem com "brilho de novidade e preços muito altos", mas, depois, somem do mapa). Nessa primeira tendência incluo Way, linha St Bernardus, Brooklyn, Chimay e algumas outras. Para segunda tendência, há incontáveis exemplos de lançamentos nacionais ou de importações únicas do rótulo estrangeiro.
Acho que essa dinâmica evidencia, pelo menos em parte, duas concepções de mercado: ter as brejas "especiais" como hábito de consumo de classe média vs. conceber essas brejas como produtos gourmet de luxo.
Não sei se isso é fruto da realidade carioca, mas não estou tão pessimista em relação a esse mercado: as prateleiras de supermercado com cervejas especiais aumentam (baixando o preço médio de acesso a esses produtos, se comparado aos antigos empórios restritos onde eu as encontrava), aumento substantivo de lojas de cervejas artesanais (e do público frequentador das lojas mais antigas) que vendem artesanais na pressão (bares como Botto, Antiga, Colarinho, Pub Escondido estão cada vez mais cheios, talvez porque o custo benefício do chope seja em muitos casos - não todos, é claro - mais interessante) e a força do público presente em eventos cervejeiros (Mondial de la Bière 2014 no Rio foi realmente impressionante em termos de público).
Acho que é preciso estar atento a esse tensionamento que mencionei (brejas "especiais" como hábito de consumo de classe média vs. conceber essas brejas como produtos gourmet de luxo) dentro de um mercado mais jovem do que o de vinhos, pois se um desse modelos se tornar, digamos, "hegemônico", teremos dois futuros mercados completamente distintos.