Fábio (Guima) escreveu:continuo adorando os vinhos mas vejo neles hoje (ou nos bebedores dele) uma aura diferente, chata, diria até esnobe e arrogante (ou talvez pedante). A cerveja, por mais complexa e cara que seja ainda me passa uma imagem alegre, descontraída.
Bem legal, Guima, essa era uma bola que eu queria levantar aqui no fórum. Existe uma disparidade de "prestígio" entre as duas bebidas: o vinho é tido como uma bebida sofisticada, elegante e de elite; enquanto a cerveja é vista como uma bebida mais simplória e popular. Acho que há vantagens e desvantagens para o mundo cervejeiro nessa associação: em primeiro lugar, há tendências de popularização das cervejas especiais que não aconteceriam com os vinhos, atingindo públicos mais jovens e menos abastados financeiramente. E há uma aura de alegria e descontração em torno da cerveja. Isso é bom.
Por outro lado, fica sempre uma impressão de que a cerveja não pode ser uma bebida tão boa quanto o vinho, que vale muito mais a pena beber um vinho do que uma cerveja, e que se ambos estiverem pelo mesmo valor, está na cara que o vinho é mais negócio. Isso afeta os bebedores: o cara que curte um bom vinho é sempre visto como superior em sofisticação e em bom gosto ao cara que curte uma boa cerveja. Especialmente porque vivemos em um país que se diz muito tolerante e aberto com a cultura popular (dentro da qual a cerveja é considerada), mas que pratica a discriminação sileciosa em escala preocupante, e onde a classe média tem um desejo forte de ascensão social e diferenciação da "massa" e, por isso, exibe tendências irritantes de esnobismo e elitismo.
Há pessoas tentando trilhar o caminho da "elitização da cerveja" ao equipará-la ao vinho, especialmente no que diz respeito à faixa de preços, à apresentação dos rótulos (embalagem, serviço etc.) e a espaços de consumo elitizados. Acho essa uma estratégia equivocada, claramente: nenhuma campanha publicitária é capaz de "transformar" magicamente cerveja em vinho; os esnobes que gostam de ostentar vinho vão continuar preferindo seus vinhos
porque eles estão bebendo valor financeiro, e não paladar.
Mas acho que existe um outro caminho possível de equiparação de cervejas e vinhos que é frutífero ao apostar no paladar, e não no valor financeiro das cervejas. Um motivo concreto pelo qual as pessoas possuem uma imagem "inferior" da cerveja (mesmo que a prefiram para seu consumo) é porque lêem ou ouvem essas descrições meio pedantes sobre os vinhos, enquanto as cervejas são sempre descritas como simplesmente "geladas", ou no máximo como "fortes" ou "amargas". Acho que é possível equiparar cervejas e vinhos nas suas descrições, usando o mesmo vocabulário meio pernóstico para mostrar que existe na cerveja um mundo tão rico de sensações quanto no vinho. Mais ou menos como subverter a linguagem do "inimigo" para mostrar que esse tipo de experiência pretensamente "exclusiva" pode também ser encontrada também em bebidas mais acessíveis, e que os apreciadores de cerveja podem ter um paladar tão sofisticado quanto o de um apreciador de vinhos. Que, em suma, não é preciso ser rico para poder beber coisa boa.
Dei esse exemplo em outro tópico aqui no fórum: se vc descrever uma bebida como possuindo "corpo elegante e aveludado, com toques frutados frescos e de especiarias, perfume floral e amargor delicado", o cara vai automaticamente associar isso a algo sofisticado e interessante. Vai até achar que é um vinho caro de R$ 100. Mas quando vc disser que é uma cerveja de R$ 3,50 (Eisenbahn Strong Golden Ale), o cara começa a olhar de outra forma a relação entre vinhos e cervejas.
Mas a questão é: será que se corre o risco da "cervochatice"? Ou simplesmente as cervejas correm o risco de parecerem simplórias se não usarmos uma linguagem como essa?