Pilsen e "pilsen".

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9 anos 4 meses atrás #62832 por Claudinei  
Respondido por Claudinei   no tópico Pilsen e "pilsen".
Alex, acho que entendi melhor sua aversão aos guias, embora não veja da mesma forma. Considero que eles têm algo de bom a ser extraído, podem ser úteis em orientar os consumidores sobre o que esperar em uma cerveja do estilo X ou Y que não se conhece e que se vai provar, influenciando sua decisão, talvez daí sua popularidade. Estilos como são produzidos hoje, que é o que interessa. Ninguém vai viajar no tempo até o século XVIII e provar uma IPA da época. Claro que eles têm limitações, até porque seu objetivo não é "ficar contando história". Para formar um bom conhecimento cervejeiro é preciso buscar outras fontes, sejam entendedores sérios, sejam outras bibliografias.

Sobre seu comentário:

Alex B escreveu: Percepção de qualidade é inexoravelmente ligada à cultura, como alguém que nunca experimentou outras cervejas pode julgar algo sem conhecer? Não pode! É a definição de dicionário da ignorância, como alguém que ignora, pois nunca experimentou, pode dizer algo sobre o que não conhece? Não é soberba, é um fato! Uma realidade, como alguém que ignora algo pode dar um julgamento sobre o que ignora? Não pode. Opiniões diferentes só cabem a quem não ignora, a quem conhece, a quem tem cultura; como opinar sobre aquilo que se ignora? É apenas a realidade, é preciso não cair neste populismo irracional e ignorante, pois como viu, vai contra a própria razão.


A questão, meu caro, é que eu me refiro a pessoas que experimentaram outras cervejas, ou seja, a ignorância não cabe aqui. Não a ignorância da experiência. Por várias vezes vi amigos meus bebedores de Skol provarem uma cerveja bem diferente oferecida por mim e rejeitarem na hora, e não vejo isso como ignorância, apenas o padrão atual de qualidade da pessoa é diferente do meu. E isso tem também um componente cultural associado. Não que a cultura da pessoa não possa ser mudada. Acho que pode e ainda acho que ela vai ganhar muito com isso. Só acho que esse processo deve ser natural. Muitos entendedores acabam rotulados de "cervochatos" exatamente por atitudes como querer impor sua opinião aos "não-iniciados". Tento sempre evitar agir nesse sentido.

No mais, devo lhe agradecer pela sua contribuição ao debate. Continue participando!
 
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9 anos 4 meses atrás #62835 por Alex B
Respondido por Alex B no tópico Pilsen e "pilsen".
Oi Claudinei,

Quando digo percepção de qualidade estou referindo-me a uma experiência mais abrangente, a uma cultura, não estou perguntando a alguém se prefere esta ou aquela cerveja, estou pedindo uma avaliação de qualidade. Por exemplo: pego alguém que só ouve pagode, apresento-lhe uma gravação de Corelli e uma outra gravação da mesma peça com orquestra diferente, qual base ele tem para julgar a qualidade? Se perguntar se ele prefere Corelli ou Calcinha Preta, qual será a resposta? Ele entende de música? Pode julgar a qualidade da música ou lhe falta experiência no assunto? Só de ouvir Corelli ele deixou de ser completamente ignorante no assunto?

A nossa capacidade de percepção está diretamente ligada ao conhecimento e experiência com os assuntos propostos, uma cerveja de massa aposta na ignorância do consumidor, não no seu discernimento e cultura sobre o assunto, nossas Pilsens apostam que o consumidor não sabe o que é uma Pilsen e nem o que foi a cerveja brasileira há trinta anos atrás. American Lager é um “estilo”, não direcionado pelo gosto dos consumidores, mas pela massificação da produção de cerveja e à falta de acesso dos consumidores a outras cervejas, o mercado americano é o exemplo perfeito, com o surgimento das pequenas a percepção da cerveja vem mudando. No começo da década de 90 os EUA eram um terreno mais inóspito para a cerveja que o Brasil.

Conhecer cerveja não pode ser resumido a uma competição, mas sim a uma experiência enriquecedora, é algo que se vai à mesa e compartilha-se, como a refeição. O negócio é que guias de estilo e Ambevs da vida estão na competição onde o prêmio somos nós...

Alex
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9 anos 4 meses atrás #62841 por Claudinei  
Respondido por Claudinei   no tópico Pilsen e "pilsen".

Alex B escreveu: Oi Claudinei,

Quando digo percepção de qualidade estou referindo-me a uma experiência mais abrangente, a uma cultura, não estou perguntando a alguém se prefere esta ou aquela cerveja, estou pedindo uma avaliação de qualidade. Por exemplo: pego alguém que só ouve pagode, apresento-lhe uma gravação de Corelli e uma outra gravação da mesma peça com orquestra diferente, qual base ele tem para julgar a qualidade? Se perguntar se ele prefere Corelli ou Calcinha Preta, qual será a resposta? Ele entende de música? Pode julgar a qualidade da música ou lhe falta experiência no assunto? Só de ouvir Corelli ele deixou de ser completamente ignorante no assunto?


Entendi seu ponto, Alex. Nossa diferença parte do princípio de que eu considero percepção de qualidade algo mais subjetivo e associado às preferências e expectativas de cada indivíduo. Você considera que a percepção de qualidade é algo objetivo e que depende de conhecimento e ainda mais experimentação, mais e mais. Acho que é meramente uma questão de definição. Aproveito para lhe fazer uma pergunta que já me fiz algumas vezes e que, confesso, ainda não cheguei a uma conclusão definitiva: a nossa cultura de consumo predominante de cervejas massificadas (american lagers, ou "cervejas batizadas") pode ser considerada uma cultura de fato ou ausência de cultura? Em suma, o brasileiro comum possui uma cultura cervejeira?

Alex B escreveu: O negócio é que guias de estilo e Ambevs da vida estão na competição onde o prêmio somos nós...


Este seu comentário final me despertou curiosidade. Se não for pedir muito, poderia discorrer a respeito?
 
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9 anos 4 meses atrás #62857 por Alex B
Respondido por Alex B no tópico Pilsen e "pilsen".
Oi Claudinei,

Respondendo à sua pergunta: a cultura cervejeira vem não do consumo de cervejas, mas do paladar, beber, sentir, avaliar e decidir o que gosta ou não, se você pega o Brasil antes da abertura comercial, as únicas cervejas que se encontrava aqui eram as nacionais, esse era o nosso universo de cultura cervejeira, só cerveja de massa, mas elas não eram tão ruins como são as de hoje, e dentro da massa tínhamos mais variedade, nosso ponto de escolha estava no que havia, tinha Cerpa, Brahma extra, Serra Malte, que eram boas cervejas. Quando uma cerveja fica ruim cabe a você rejeitar, baseado na sua cultura, a lembrança do que era o sabor, não à fidelidade ao rótulo. Meu avô trabalhou na Brahma, mas por conta da perda de qualidade não tomava mais a Brahma chopp, só Antártica ou Brahama extra, e olha que ele recebia mensalmente cerveja Brahma quando ia pegar a complementação da aposentadoria que a Brahma dava aos ex-funcionários. Quando descobri um bar chamado Lo Spuntino foi que tomei conhecimento de outras cervejas, não cervejas “Especiais”, normais de outras partes do mundo, mas muito mais caras por serem importadas, minha noite começava com uma Urquell, que na época não tinha garrafa verde e depois ia para uma cerveja escura do Sul, boa e mais barata porque a carteira não é de ferro. Algumas vezes comprava uma destas cervejas para dividir com meu avô, ele era um apreciador de cerveja. Logo depois na abertura nossos supermercados ficaram cheios de cervejas importadas normais, não especiais: Orange Boom, Lowenbraw, Becks, Heineken que nada tinha a ver com a atual apesar da lata ainda ser idêntica, cervejas importadas em latas de alumínio, nacionais em lata de ferro, tinha também Budweisser, Milwaukees Best, Coors, as mesmas porcarias de hoje. Você podia beber e comparar, adquirir cultura, uma Becks custava o mesmo que uma Bud, ambas importadas e mais caras que as nacionais. Tudo isso para dizer que a nossa cultura depende do nosso paladar, da lembrança dos sabores e da escolha, dentro do universo que se tem. Quem gosta de cerveja experimenta mais do que quem não gosta, e, se lembra do gosto, tem suas preferências, desenvolve sua cultura, se com todas opções a pessoa fica escravizada ou fiel ao rótulo, não aos próprios sensos, não há cultura.

Alex B escreveu:
O negócio é que guias de estilo e Ambevs da vida estão na competição onde o prêmio somos nós...


O que quero dizer com meu comentário final é que nesta história de cervejas “massificadas” e “Especiais” há uma distorção comercial, há o lixo e as caríssimas, sem nenhuma justificar-se ao que é. Há cervejas boas e há cervejas ruins, a diferença de custo entre uma e outra não é tão grande, e no entanto as massificadas custam X e as especiais custam 10X ou mais, é uma questão comercial, não cultura cervejeira, e cada vez mais a cultura da cerveja fica de lado, a indústria de massa está no jogo de oferecer um produto cada vez mais barato para uma massa maior e assim auferir mais lucros, alguns gramas a menos de malte na receita, devido à altíssima produção significa economia de fortunas, vira uma indústria mesquinha, e ela investe na ignorância. Veja se na Alemanha as cervejas de massa são tão ruins como aqui? Não são, o consumidor de massa de lá rejeita. Ao outro lado o consumidor de cervejas especiais é extorquido, já que consome cervejas “especiais”, muita gente consome cervejas caras por status e não por gosto, é moda, é hype, é caro, mas também é ignorante, a maioria das cervejas especiais não vale o que cobram, algumas são ruins mesmo, mas são “especiais”, não boas cervejas, mas “diferenciadas”. Se você faz cerveja em casa e tem um pouco de conhecimento, faz cerveja que surra com facilidade todas as especiais mesmo pagando caríssimo por todos os insumos. Cevada é commodity, custa U$130 a tonelada, quem faz cerveja em casa aqui no Brasil paga R$15 o quilo de malte, em meio litro de cerveja muito boa vai 100gms de malte... De um lado há o hype das cervejas especiais, do outro o lixo das massificadas e nada no meio, cadê a cerveja boa e honesta? Quem não sabe o que é cerveja bebe lixo, quem sabe e quer beber uma boa cerveja é extorquido, nossa carteira é o prêmio em ambos os casos.

Alex
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9 anos 4 meses atrás #62858 por Claudinei  
Respondido por Claudinei   no tópico Pilsen e "pilsen".
Agradeço sua resposta. Na minha cabeça ainda paira a ideia de que o brasileiro comum possui, sim, uma cultura da cerveja, porém uma cultura muito limitada, empobrecida, resumida a pensamentos do tipo "prefiro a Skol porque a Brahma é mais amarga", "Gosto da Antarctica Sub-Zero porque é mais leve e vai melhor no churrasco", "Malzbier é cerveja de mulher", e por aí vai. Nada que se compare à cultura germânica ou belga, muito mais ricas, pois são países com muito mais tradição e diversidade no que concerne à bebida. Acho que aí estamos de acordo. Só receio que classificar este ou aquele povo como "sem cultura", no sentido literal da expressão, recairia numa ideia extremada, pois toda e qualquer cultura se forma com educação, costumes passados de geração a geração e ambiente ao redor, independente se estes aspectos são plenos ou deficientes...

É bem verdade quando você diz que o alemão execra essas cervejas excessivamente leves e pobres em aroma e sabor, que o diga a Copa da Alemanha onde o patrocinador foi a Bud "de arroz" que sofreu uma rejeição monstruosa entre os consumidores de lá. Mas quando você questiona a justificativa das coisas serem como são, eu me pergunto onde terminaria a prudência e começaria a avareza. Você disse lá atrás que não sabe o que levou as cervejarias americanas a usarem adjuntos. Meu palpite é que interesses econômicos foram preponderantes para tanto, o que não deixa de ser óbvio :P . A disponibilidade de cevada para produção de malte (e de cervejas no nível das lagers alemãs) não era e nunca foi suficiente para atender a alta demanda, dessa forma para garantir uma produção condizente passaram a utilizar outros ingredientes locais abundantes e mais baratos. Nada diferente daqui. Se foi "sacanagem" ou não... bem, acho no mínimo discutível. Penso na América pós-independência no século XIX e me surge um pequeno dilema: o que teria sido melhor? Produzir uma cerveja mais maltada e lupulada, aos moldes da escola alemã, e atender somente parte do mercado a determinado preço, ou baratear e aumentar a produção com o uso de adjuntos e conseguir atender um número maior de consumidores por um preço menor?

A propósito, lembro muito bem da Brahma do bairro do Paraíso. Meu irmão mais novo nasceu em um hospital ao lado! :woohoo:
 
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