Gabriel, agradeço o "super Marcussi" lá do primeiro post do tópico.
Vamos lá!
Existe uma coisa que precisa ser esclarecida para quem quer conhecer sour ales. Existem sour ales que são artificialmente adoçadas para mascarar a acidez. Isso é muito comum com as lambics mais comerciais, sobretudo as de frutas, mas também ocorre em outros estilos, como nas Berliner Weisse com adição de xarope (as "coloridas"). A maior parte das marcas de lambic que temos no Brasil é adoçada artificialmente (St. Louis, Timmerman's, Lindemans (exceto a linha Cuvée René), Belle Vue, Mort Subite etc.). É fácil saber se a sua lambic é adoçada ou não, mesmo antes de comprar: cheque se o rótulo traz indicação de algum tipo de adoçante artificial - o mais usado é o aspartame.
Se você está a fim de conhecer as sour ales, eu, particularmente, sou contra começar por lambics artificialmente adoçadas. Eu não diria isso como sommelier nem no meu blog, mas me permito falar abertamente aqui no fórum, entre amigos. A verdade é que as lambics adoçadas tendem a ser versões de baixa qualidade feitas para um público que não bebe cerveja. São pasteurizadas, têm maturação abreviada e não usam frutas inteiras, o que resulta em baixa complexidade e em defeitos aparentes nos piores exemplares. Na Bélgica, elas ocupam o nicho de mercado de uma espécie de "refrigerante alcoólico" - e, na verdade, surgiram no pós-II Guerra justamente para competir com os refrigerantes americanos. Comparar uma lambic tradicional com uma versão adoçada, do meu ponto de vista, é mais ou menos como comparar um Champagne com um Lambrusco. Essas cervejas não vão te dar a ideia correta do que é uma sour ale de qualidade, por isso eu não sugiro começar por elas.
Existem versões adoçadas que ainda são bem-feitas (com maturação integral) e recebem uma dose leve de adoçante, como a Boon Kriek, e que são cervejas bem interessantes. Mas eu acho que hoje, temos no mercado outros estilos com acidez mais suave e com doçura residual de malte, que podem ser mais interessantes para quem está começando. As Berliner Weisse são boas sour ales de entrada, mas por favor não bebam as versões adoçadas com xarope (como as Berliner Kindl "coloridas"), que são intragáveis. Há Flanders red ales suaves e amigáveis, como a Rodenbach (a versão normal). E hoje também temos a excelente oud bruin Liefmans Goudenband, com acidez suave e sem Brettanomyces, que mais parece uma versão levemente ácida de uma belga de abadia. A Liefmans Cuvée Brut ou a Verhaeghe Echt Kriekenbier são boas opções com frutas para quem está começando. Agora, falando sinceramente, acho que uma lambic tradicional pode perfeitamente ser servida para quem não conhece o estilo. Qualquer um que aprecie um bom vinho espumante seco pode apreciar uma lambic tradicional. Tenho boas experiências apresentando a Lindemans Kriek Cuvée René para amigos que nunca havia bebido sour, por exemplo.
Num patamar intermediário, qualquer apreciador do estilo precisa conhecer uma boa Flanders red e uma boa gueuze tradicional. Boon Geuze Mariage Parfait, Oud Beersel Oud Geuze e Hanssens Artisanal são boas opções para conhecer as gueuzes, e a Rodenbach Grand Cru talvez seja a opção mais acessível e clássica para conhecer as Flanders red ales, hoje que podemos encontrar a long neck por preços razoáveis no Brasil. Se você já simpatiza com o estilo e quer beber alguma sour realmente excepcional, aguarde uma data especial e se presenteie uma garrafa de uma Rodenbach Vintage, Cantillon Gueuze, Cantillon Grand Cru Bruocsella ou 3 Fonteinen Oude Geuze. Não há nada mais sofisticado e complexo do que isso no mundo das sours.
Acho legal começar a entender o estilo pelas belgas, e não pelas norte-americanas. A maioria das americanas emprega tempos de maturação um pouco mais curtos do que as belgas tradicionais, o que resulta em menor profundidade aromática. Mas, por exemplo, a The Bruery faz excelentes sours (melhores até do que as famosas sours da Russian River, na minha opinião) com profundidade e caráter, então depende.