Como o Guima lembrou, paladar e olfato estão intimamente ligados. Na real, uns 80% do que nós interpretamos como "sabor" na verdade é aroma. A língua só é capaz de detectar 6 tipos de sensações diferentes, os gostos básicos: doce, salgado, ácido, amargo, umami (gosto de Ajinomoto) e gordura. Todo o resto é identificado pelos receptores olfativos no nariz. Quando falamos, por exemplo, em "sabor de chocolate", estamos falando de uma característica de aroma, que pode ser sentida pelo nariz ou na boca (já que os aromas se volatizam dentro da nossa boca e são levados até os receptores olfativos). É claro que, em muitos casos, sentimos algumas diferenças entre cheiros e sabores de uma mesma cerveja. Em muitos casos, certos compostos aromáticos não são voláteis o suficiente para que sejam sentidos prontamente pelo cheiro, então eles se volatizam apenas dentro da nossa boca. Todas as características que foram listadas até agora nesse tópico são aromas.
Existe uma outra técnica de liberação de aromas que consiste em deixar um pouco do líquido por baixo da língua, colocar a ponta da língua nos dentes incisivos superiores e puxar ar pela boca, como se estivesse "arejando" a cerveja sob a língua, respirando depois pelo nariz. É um bagulho muito estranho para se fazer em público!
Quanto a essa coisa do aroma de fruta fresca e seca, realmente há diferenças. O que ocorre é que boa parte dos aromas frutados de uma cerveja advém de ésteres produzidos pela levedura. Esses ésteres são os mesmos aromatizantes artificiais usandos em balas, chicletes, iogurtes, bolachas etc. Eles estão presentes nas frutas frescas, mas quando elas são desidratadas ou transformadas em compota, eles se tornam muito mais concentrados e intensos. É só comparar um melão fresco com um seco, por exemplo: o melão seco tem um sabor claríssimo de bala de melão, enquanto o fresco é bem diferente.
Sobre o aroma de chiclete de tutti-frutti na Heineken, NNMFKZTRKSJ - 13, é possível que vc tenha sentido o acetato de isoamila, que faz parte do perfil sensorial da Heineken mesmo. A gente se acostuma a pensar que as American lagers só devem ter aroma de malte e lúpulo, e não percebe os aromas de levedura delas, porque são mais suaves do que nas ales. O fato de ser um éster pode tê-lo remetido a "chiclete" (como eu disse, ésteres são usados na indústria alimentícia para dar aroma de fruta). Normalmente o acetato de isoamila é associado com banana ou compota de pêra (é o que tem numa Weissbier), mas em menores concentrações, como ocorre na Heineken, pode ter te evocado uma sensação diferente. Memória olfativa é algo muito pessoal. Da próxima vez que vc beber, tente pensar em banana ou em compota de pêra e veja se dá samba. Senão, talvez seja outra coisa que vc está sentindo e associando a "chiclete de tutti-frutti". Aliás, "chiclete de tutti-frutti" é uma associação que eu faço muito frequentemente em cervejas de trigo.
Por fim, sobre os damascos (presumirei que se trata dos secos), as cervejas no estilo Belgian tripel normalmente são associadas a aromas de damascos secos por causa da interação entre os ésteres frutados e as cascas de laranja. Tente a Gouden Carolus Tripel, ou a Chimay Tripel. Outras cervejas também podem exibir aromas que podem remeter a damascos. Eu fiz essa associação na Backer Medieval, na Delirium Tremens, mesmo na Eisenbahn Strong Golden Ale e na Weihenstephaner Vitus. Mas deve-se levar em conta que eu adoro damascos secos e como com frequência, de modo que é uma associação bem arraigada na minha memória olfativa.