A Bodebrown Double Perigosa Wood-Aged 2014 foi o primeiro lançamento comercial de uma linha de cervejas feitas pela Bodebrown com maturação em madeira e com perfil adequado para longos períodos de guarda. O rótulo de estreia é uma strong ale extrapolada a partir da receita da Perigosa Double IPA, com 4 meses de fermentação até atingir o impressionante teor alcoólico de 15,1% (salvo engano, o mais alto até hoje da indústria nacional) e mais 9 meses de maturação em barris de carvalho anteriormente usados para a maturação de vinhos varietais de Cabernet Sauvignon. O resultado é um atestado eloquente da seriedade e da maestria da Bodebrown com maturação em madeira e com a produção de cervejas extremas. A madeira é limpa, suculenta e bem integrada ao conjunto marcante e complexo. Desde já se percebe um perfil de envelhecimento austero e agradável que deverá se acentuar com o tempo.
Na taça, exibe coloração acobreada-alaranjada escura e profunda, mas transparente, e creme de baixo volume mas boa persistência considerando o estilo. O aroma é um oceano de complexidade: maltes doces, madeira e frutas fazem um trio afinado e entregam notas de marrom-glacê, melado, castanhas portuguesas e frutas vermelhas em primeiro plano, com um toque doce bem pronunciado, acompanhadas de tâmaras secas, ameixas secas e caramelo. Apimentado e um toque cítrico lembrando laranja (a única coisa que restou dos lúpulos da Perigosa) fazem um contraponto fresco. O envelhecimento em madeira contribui com uma ampla gama de aromas terciários e de evolução: baunilha evidente, couro curtido, madeira, molho de tomate, vinho do Porto e coco tostado. Excelente conjunto. Na boca, a doçura potente e licorosa predomina do início ao fim, com sensação de licor, embora haja um amargor de segundo plano que equilibra competentemente (levando-se em conta a proposta de uma cerveja doce). O aquecimento alcoólico é surpreendentemente comportado para os 15.1% ABV. O corpo é intenso, com textura muito cremosa mas um pouco melada e enjoativa, o que deverá melhorar com o tempo de guarda. No conjunto, é uma cerveja que consegue ao mesmo tempo estar pronta para beber (se você gosta de cervejas fortes e doces) e também ter muito potencial para melhorar com o envelhecimento. O corpo irá secar um pouco, a doçura tenderá a diminuir e os aromas de evolução vão se aprofundar ainda mais, o que a tornará mais austera e sóbria. Sorte a minha que tenha mais duas garrafas pegando pó na adega! Para mim, este foi o lançamento mais interessante de 2014 no mercado nacional.
A "Cervejaria Escola Bodebrown" de Curitiba (PR), fundada em 2009, é uma das poucas artesanais nacionais que definitivamente não têm nada a provar pra ninguém. Conhecida pela ousadia e excelência de seus produtos, já arrebatou prêmios aqui e lá fora sendo sucesso absoluto de público e crítica especializada.
Como grande e visionária empresa que é, brilhantemente capitaneada pelo mestre Samuel Crhistophe Cavalcanti Cabral, mais uma vez a Bodebrown mostra que está ligada nas grandes tendências do universo cervejeiro ao anunciar, em 2014, uma nova série de cervejas envelhecidas em madeira.
Trata-se da linha "Wood Aged Series", cuja proposta é maturar receitas já comercializadas pela cervejaria em variados barris de madeira que, por sua vez, já foram usados por outros produtores na elaboração de diferentes bebidas. Esse tipo de utilização de barris de segunda mão já é bastante comum em cervejarias internacionais, sendo os mais populares aqueles que já envelheceram whisky ou vinho.
O primeiro rótulo dessa série especial é uma versão da "Double Perigosa" envelhecida por 9 meses em barris de carvalho francês previamente utilizados na produção de vinhos Cabernet Sauvignon da Serra Gaúcha. Pouco difundida no mercado, a "Double Perigosa" em sua forma original é uma espécie de "Double Imperial IPA", ou seja: (2 x) a famosa "Imperial IPA" da casa denominada "Perigosa". Com 15.1% ABV a "Double Perigosa" é, até agora, a cerveja mais alcoólica produzida de maneira comercial no Brasil. A quantidade de malte que ela recebe para isso é tão grande que, sensorialmente falando, ela se aproxima mais de uma "Barleywine" que de uma extravagante "IPA".
Limitadíssima - foram disponibilizadas para a venda 2800 garrafas, sendo que cada uma delas leva um número. A cervejaria recomenda que se guarde ao menos duas unidades da "Double Perigosa Wood Aged" sob a temperatura de 12 graus Celsius para que se confira sua evolução daqui cinco e depois dez anos.
*A unidade degustada é de número 111.
Líquido de coloração âmbar, translúcido, levemente enevoado. Na taça forma um dedo de colarinho bege de média retenção, transformando-se mais tarde numa fina camada perene.
Já no aroma uma porrada! Malte doce, madeira, tostado e álcool engendram notas de coco caramelizado, cacau, torta de amêndoas, doce de leite e marzipã. Conforme esquenta percebe-se ainda um toque cítrico que lembra doce de casca de laranja. A sensação geral sugere uma requintada sobremesa banhada em calda de algum licor.
Como já era de se esperar, o primeiro gole revela uma bebida forte que por natureza transcende os parâmetros considerados "normais" em uma cerveja. Para todos os efeitos, o que se tem aqui é um licor gaseificado de carbonatação consideravelmente alta. Intensa doçura de malte tostado e caramelo cruza o palato deixando rastros amadeirados, frutados e condimentados. Sugestões de coco queimado e marzipã sobrepõem-se à ecos de licor de ginja (com aquele azedinho característico das cerejas selvagens). Algo de compota de figo, casca de laranja e tabaco acenam com timidez, mas agregam ainda um pouco mais de complexidade. Forte, porém bem inserido, o álcool proporciona um final de considerável picância sem ser rascante. O persistente retrogosto traz nítido sabor do barril bem como sinais moderados de oxidação. Obviamente, a 'drinkability' é baixíssima.
Em muitos aspectos o resultado me fez lembrar da clássica "Samichlaus", o que - certamente - configura ponto a favor. Não resta dúvida que estamos frente uma grande cerveja.
Não obstante, como toda bebida forte e doce, é inevitável que ao longo dos goles ela vá se tornando enjoativa.
Resta agora somente a paciência em aguardar o tempo fazer seu trabalho. Acredito que lá adiante seremos ainda mais recompensados.
Para mim pouco estilos são tão recompensadores quanto o Barley Wine. Pela complexidade, história e feitura.
Aqui, há tudo isso e mais. Uma cerveja nacional, com um potencial de guarda desse... Realmente considerei essa degustação um evento, pelo menos internamente.
Coloração âmbar acastanhada, com um brilho oleoso e espuma bem baixinha, só para "sujar" as laterais do copo.
Aromas complexos e ocultos. Você sente varias cervejas ao longo da degustação. Inicialmente abre com caramelo, licor e leve tostado. Com o tempo surge um frutado, bem maduro, de frutas vermelhas como morango e cerejas. Ao final do copo só sentia o vinho. Madeira de barriu, álcool e uvas passas, remetendo a um bom Porto.
O sabor é igualmente compensador. Muito caramelo, ameixas em calda, favas de baunilha, leve tostado, madeira, nuances de oxidação (para mim poeira) e novamente vinho fortificado. A textura é densa e licorosa, completamente de acordo com a graduação alcoólica.
A expectativa de toma-la novamente daqui a uns anos é enorme, já que um dos raros pontos não tão positivos que senti foi a doçura, achei um pouco enjoativa. Imagino que uns dois ou três anos irão dar uma atenuada providencial.