A "Cervejaria Escola Bodebrown" de Curitiba (PR), fundada em 2009, é uma das poucas artesanais nacionais que definitivamente não têm nada a provar pra ninguém. Conhecida pela ousadia e excelência de seus produtos, já arrebatou prêmios aqui e lá fora sendo sucesso absoluto de público e crítica especializada.
Como grande e visionária empresa que é, brilhantemente capitaneada pelo mestre Samuel Crhistophe Cavalcanti Cabral, mais uma vez a Bodebrown mostra que está ligada nas grandes tendências do universo cervejeiro ao anunciar, em 2014, uma nova série de cervejas envelhecidas em madeira.
Trata-se da linha "Wood Aged Series", cuja proposta é maturar receitas já comercializadas pela cervejaria em variados barris de madeira que, por sua vez, já foram usados por outros produtores na elaboração de diferentes bebidas. Esse tipo de utilização de barris de segunda mão já é bastante comum em cervejarias internacionais, sendo os mais populares aqueles que já envelheceram whisky ou vinho.
O primeiro rótulo dessa série especial é uma versão da "Double Perigosa" envelhecida por 9 meses em barris de carvalho francês previamente utilizados na produção de vinhos Cabernet Sauvignon da Serra Gaúcha. Pouco difundida no mercado, a "Double Perigosa" em sua forma original é uma espécie de "Double Imperial IPA", ou seja: (2 x) a famosa "Imperial IPA" da casa denominada "Perigosa". Com 15.1% ABV a "Double Perigosa" é, até agora, a cerveja mais alcoólica produzida de maneira comercial no Brasil. A quantidade de malte que ela recebe para isso é tão grande que, sensorialmente falando, ela se aproxima mais de uma "Barleywine" que de uma extravagante "IPA".
Limitadíssima - foram disponibilizadas para a venda 2800 garrafas, sendo que cada uma delas leva um número. A cervejaria recomenda que se guarde ao menos duas unidades da "Double Perigosa Wood Aged" sob a temperatura de 12 graus Celsius para que se confira sua evolução daqui cinco e depois dez anos.
*A unidade degustada é de número 111.
Líquido de coloração âmbar, translúcido, levemente enevoado. Na taça forma um dedo de colarinho bege de média retenção, transformando-se mais tarde numa fina camada perene.
Já no aroma uma porrada! Malte doce, madeira, tostado e álcool engendram notas de coco caramelizado, cacau, torta de amêndoas, doce de leite e marzipã. Conforme esquenta percebe-se ainda um toque cítrico que lembra doce de casca de laranja. A sensação geral sugere uma requintada sobremesa banhada em calda de algum licor.
Como já era de se esperar, o primeiro gole revela uma bebida forte que por natureza transcende os parâmetros considerados "normais" em uma cerveja. Para todos os efeitos, o que se tem aqui é um licor gaseificado de carbonatação consideravelmente alta. Intensa doçura de malte tostado e caramelo cruza o palato deixando rastros amadeirados, frutados e condimentados. Sugestões de coco queimado e marzipã sobrepõem-se à ecos de licor de ginja (com aquele azedinho característico das cerejas selvagens). Algo de compota de figo, casca de laranja e tabaco acenam com timidez, mas agregam ainda um pouco mais de complexidade. Forte, porém bem inserido, o álcool proporciona um final de considerável picância sem ser rascante. O persistente retrogosto traz nítido sabor do barril bem como sinais moderados de oxidação. Obviamente, a 'drinkability' é baixíssima.
Em muitos aspectos o resultado me fez lembrar da clássica "Samichlaus", o que - certamente - configura ponto a favor. Não resta dúvida que estamos frente uma grande cerveja.
Não obstante, como toda bebida forte e doce, é inevitável que ao longo dos goles ela vá se tornando enjoativa.
Resta agora somente a paciência em aguardar o tempo fazer seu trabalho. Acredito que lá adiante seremos ainda mais recompensados.