O enigma da Caracu

Tem algumas brejas por aí que se autodenominam como pertencentes a estilos da família ale (sobretudo de escola inglesa, em que o fermento é menos perceptível que nas ales belgas) mas que são lagers. A Caracu é um exemplo nacional, e outras que eu bebi recentemente, nas quais notei isso, são a Murphy's Irish Red Beer e a Utenos Porter. Aliás, pelo BJCP, é relativamente comum encontrar Irish red "ales" que, na verdade, são lagers. Como as cervejas desse estilo exibem poucas características de fermentação, dá para emular o resultado com baixa fermentação.

Mas, ale ou lager, eu gosto da Caracu. Um pouco doce, é verdade, mas dá para sentir o malte torrado, o que não acontece com as Malzbiers (que não são feitas com malte escuro, mas sim com corante caramelo).

O lance das cervejas híbridas é que elas são feitas com um tipo de fermento, mas fermentadas e maturadas em temperaturas de outro tipo de fermento. O mais comum é que tenham fermento ale e sejam fermentadas a temperaturas mais baixas, típicas de lager. Kölsch e cream ale são dois estilos que empregam esse procedimento. Uma excelente cerveja de fermentação híbrida, para mim, é a Original Wexford Cream Ale.

Agora, se a Caracu fermenta a temperatura de ale, isso eu não sei dizer. Mas duvido.

O problema é que não existe uma legislação séria pra cerveja, nem no Brasil e talvez nem no resto do mundo, basta ver essa questão dos estilos que são determinados de forma diferente de acordo com a entidade, a BJCP parece ser a entidade mais respeitada e seguida, mas existem outras que classificam de forma diferente. Ou falei besteira ?

No Brasil Standard American Lager virou Pilsner, já ouvi um papo que a Baden 1999 (ou seria a Red Ale ?) não é o que se propõe ser, etc. No resto do mundo deve ter umas coisas assim também.

Essas entidades que determinam os estilos deveriam entrar num acordo, assim como é no mundo do vinho. O corte bordalês é aquele e pronto, não adianta meter uma uva diferente no meio, o resultado pode ser excelente, mas o vinho não passa como Bordeaux. Há cerca de um ano houve um fuzuê fudido na Itália porque descobriram que muitos produtores da Toscana estavam "cortando" o Brunello di Montalcino (pra ser Brunello e ganhar o selo de procedência tem que ser feito de Sangiovese e só).

Mas só determinar com clareza os estilos pra não ficar essa putaria não adianta, deve existir fiscalização. Tipo, a Caracu é uma Stout ? Comprovado isso tudo bem. Não comprovado ? Nada de escrever Stout no rótulo.

Inspirada na sweet stout, mas é uma lager. Da mesma forma nossas pilsen sao american lagers. Não tem enigma, existe sim uma despreocupação da industria nacional em qualificar conforme padrões internacionais nossas cervejas.

Mas verdade seja dita, justiça seja feita: a Caracu é uma boa cerveja e não desagradaria apreciadores de sweet stouts com seu sabor e aroma remetendo ao tostado do malte.

Um ex-mestre cervejeiro da Ambev nos confidenciou certa vez que era sua cerveja preferida na produção, seu processo era desafiador para proporcionar o residual doce.

Mais interessante que isso tudo é folclore criado em torno da Caracu, pelo menos aqui em Minas, de bebida revigorante e energética. Tem a tal da Caracu com ovo batido que seria um elixir de variáveis aplicações, funcionando de afrodisíaco a remédio...

Hehe...

Que bom, o tópico deu o resultado que eu esperava. Então é isso, não tem mistério, claro, mas falta de rigor no controle das denominações, como disse o Guima.

Duro é explicar isso para um garçom (de um bar especializado) em treinamento. Se bem que, em bares especializados, não se costuma vender Caracu, né?

p.s.: Dependendo da ocasião, também curto uma Caracu.

Mas eu prefiro a Xingu.