Características desejadas / indesejadas

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14 anos 9 meses atrás #9002 por um visitante
Criado por um visitante no tópico Características desejadas / indesejadas
Por que uma Pilsner que remeta a cravo ou banana é uma cerveja com característica indesejada ? Estas seriam características das cervejas de trigo, nelas são desejadas, mas em outros estilos não podem ?

Ora, se este é um aroma que me agrada, se no conjunto ele se harmoniza bem, por que diabos não posso gostar dele em um estilo que não seja um determinado onde a dita característica seja aceitável ?

Não seria muito tecnificismo ?

Já "briguei" muito com alguns amigos enófilos que faziam cara feia para determinados vinhos que deveriam remeter a frutas vermelhas somente mas tinham notas herbáceas. Qual o problema ? Se fosse um Cabernet Franc as notas herbáceas seriam agradáveis, mas como se trata de um Merlot não é mais ? Você acha que as notas herbáceas agradam ou não ? Elas estão bem inseridas no conjunto ? Então por que não podem aparecer num vinho que não "deveria" tê-las ?

Muito pelo contrário, pra mim a grande surpresa é quando me deparo com algo inusitado, banana e cravo encontramos em praticamente toda Weissbier, aquela que apresenta algo "diferente" é que merece pontos na minha avaliação, ela sai da mesmice, sai do tradicional. Se a dada característica não se contrapões às demais, estão bem inseridas, não deve jamais ser encarada como indesejada.
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14 anos 9 meses atrás #9016 por Claudinei  
Guima,
 
É apenas uma questão de caracterização dos estilos de cerveja. Cravo e banana, tradicionalmente, não são aromas característicos de uma pilsner, logo são indesejáveis em cervejas desse estilo. Afinal, pra que "servem" os estilos? Eles não agrupam cervejas com características (historicamente) comuns?
 
Agora, gosto pessoal é outra história. Se uma cerveja que se diz de um determinado estilo for "descaracterizada", mas mesmo assim você apreciar ela... nada contra! Eu mesmo posso gostar de uma cerveja assim, talvez considerando-a uma boa cerveja, agradável ao meu paladar, mas com a ressalva de não possuir um estilo definido.
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14 anos 9 meses atrás #9023 por Alexandre Almeida Marcussi
Acho que há dois lados nessa questão. Por um lado, existe realmente um certo conservadorismo na definição dos estilos cervejeiros, isso é inegável. Se uma característica cai bem no conjunto, por que não aceitá-la como um fator positivo? Como se sabe, às vezes são justamente as pequenas alterações em estilos consagrados que geram novas e deliciosas cervejas e dão origem a novos estilos. A história dos estilos cervejeiros está cheia de episódios desse tipo, em especial em épocas nas quais não havia "campeonatos de cerveja" e as cervejas eram avaliadas simplesmente pelo fato de terem agradado ou não.

Por outro lado, o papel de uma definição de estilos é impor alguma medida de conservadorismo; senão, nem faz sentido definir estilos e é melhor adotar uma postura mais solta (algumas cervejarias americanas adotam essa postura e zombam dos estilos). Um estilo definido tem um público fiel e já foi testado pelo paladar humano por tempo o suficiente para se saber que se trata de uma combinação agradável de características (pelo menos para um grupo de pessoas). Novas combinações sempre correm o risco de se mostrarem um pouco estranhas ou serem rejeitadas.

Aroma de cravo é agradável para a maioria das pessoas? Sim, mas a questão é que, quando queremos uma cerveja com aroma de cravo, compramos uma Weissbier (eventualmente algumas blonde ales específicas) e não uma pilsner. Até porque, numa Weiss, o aroma de cravo vai vir acompanhado de um conjunto de ésteres que darão balanço e harmonia, impedindo que o "tempero" de especiarias se destaque demais. Quando eu compro uma pilsner (ou qualquer outra lager), por outro lado, eu estou fazendo uma opção, como consumidor, por beber uma cerveja que vá me remeter aos sabores primários do malte e do lúpulo. Cravo poderia obscurecer isso, e então essa característica me impediria de aproveitar aquilo que eu estava procurando. Portanto, eu entendo que os estilos fornecem parâmetros de garantia para o mercado.

Mas quem sabe em que outras deliciosas combinações o aroma de cravo não poderia cair bem? Isso é tarefa para o experimentalismo, e também envolve desafios práticos como os de conseguir uma cepa de levedura que produza aroma de cravo (4-vinil-guaiacol) sem a presença de outros aromas característicos dos estilos que trazem cravo.

Há pouco tempo o Bazzo postou no blog da Bamberg um artigo sobre esse assunto com o qual eu tenho de concordar. Muitos experimentos são desejáveis (e ele fala especificamente do que ele fez com a Weizenbock, fazendo dry hopping e maturando em barris de carvalho com levedura de espumante), mas outros derivam simplesmente de uma inconsciência a respeito do papel dos estilos. Vc quer uma pilsner com aromas de levedura ale mais pronunciados? Se vc chamar de "pilsner ale" e achar que está inventando muita coisa, pode estar equivocado, porque o estilo já existe e se chama "Kölsch". Ou seja, talvez a variação que vc esteja querendo simplesmente exista e caiba num outro estilo.

Mesmo os estilos existentes admitem uma certa margem de variação. Uma lager admite uma presença sutil de aromas de levedura, e efetivamente pode apresentar sabores frutados, mas em concentrações menores, de formas mais sutis. Se ficarem fortes demais, começa a descaracterizar o propósito de uma lager, e parecer uma ale. Mas há espaço para "brincar" sem sair dos parâmetros do estilo.

Isso não quer dizer que todas as combinações possíveis já tenham sido cristalizadas em estilos consagrados. Os americanos estão aí para provar que ainda existe muito espaço que não foi coberto pela definição dos estilos. Mas acho que é o tempo que se encarregará de dizer quais desses espaços fornecem conjuntos agradáveis para as pessoas de forma geral.

Em resumo: acho que os estilos são uma realidade, pois as pessoas continuam se orientando por eles para consumir seus produtos favoritos. Fazer bem, com consistência, um estilo consagrado me parece ser um primeiro passo importante para que vc saiba controlar direito as "adições" que quer ou não fazer ao "molde" existente. Nada nos impede de constatar que determina breja não obedece rigorosamente os padrões de um estilo mas mesmo assim é muito gostosa (eu fico lembrando da Baden Baden Celebration Inverno).

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Porque cervejas são boas para beber, mas também são boas para pensar
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14 anos 9 meses atrás #9027 por um visitante
Respondido por um visitante no tópico Re:Características desejadas / indesejadas
Claro que os estilos servem para nos orientar, suas características "desejadas" servem para acertarmos quando vamos fazer uma harmonização, se numa circunstância assim nos deparamos com um aroma ou sabor "indesejado" a harmonização pode ficar comprometida, mas acho que esse conservadorismo pode ser prejudicial no quesito "inovação", os aromas e sabores inusitados são aquilo que me surpreende numa cerveja, conferindo uma personalidade única daquele estilo da marca tal.

Tem coisas que definitivamente não consigo concordar, por exemplo, na Larousse da Cerveja está dizendo que o aroma de leite azedo, cuja causa provável é a fermentação por bactérias lácticas, é indesejado NA MAIORIA dos estilos. Convenhamos, leite azedo fede, é um cheiro ruim, desagradável e deveria ser indesejado em TODOS os estilos.

Quem bebe vinho com frequência já deve ter se deparado com algum branco que remete a xixi de gato, sobretudo alguns Chablis. Muitos enófilos acham isso lindo. Pô, xixi de gato fede pra carValho, é um cheiro acre, ofende as narinas. Xixi de gato é agradável desde quando ? Mas se um vinho remete esse cheiro o xixi de gato passa a ser agradável, e logo, aceitável ? Tem coisas no mundo das degustações que não consigo entender.
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14 anos 9 meses atrás #9070 por Alexandre Almeida Marcussi
Fábio (Guima) escreveu:

Convenhamos, leite azedo fede, é um cheiro ruim, desagradável e deveria ser indesejado em TODOS os estilos.

Se fosse sempre indesejado, vc não comeria iogurte ou coalhada e nem beberia Yakult. Existem estilos em que a fermentação láctica faz parte da proposta, como em muitas lambic. Mas também aparecem notas que podem remeter a leite azedo em outros estilos que não provêm da fermentação láctica, mas simplesmente de um excesso de ácido cítrico (eu identifico em um bom número de Weissbier, por exemplo). Aí eu não gosto, porque não é a proposta. Mas numa lambic ou sour ale deve ser entendido de outra forma.

Quanto ao xixi de gato, também ocorre em cervejas, e pode derivar de contaminação dos insumos ou, bizarramente, dos óleos essenciais de algumas variedades de lúpulo. Esse é um dos aromas que mais me intrigou quando fiz um workshop sobre gestão sensorial de cerveja, porque, em baixas concentrações, ele não só me pareceu agradável como lembra muito vividamente maracujá.

Tem algumas características que são indesejáveis sempre. Vômito de bebê (ácido butírico) ou ralo de banheiro (mercaptano), por exemplo. Não consigo imaginar um contexto onde esses aromas caiam bem. Mas outros já podem cair bem dependendo do contexto. Mofo é agradável? Depende. Numa American lager, é uma merda, mas numa ale forte e complexa, pode adicionar um toque de rusticidade meio terrosa desejável por dar equilíbrio aos outros aromas frutados ou condimentados da receita. Vinagre? Normalmente ruim, mas numa sour ale ou numa old ale, toques acéticos podem contribuir com a complexidade do aroma e do paladar. Eu gosto. Acho que tudo depende, sim, de contexto, e os estilos definem contextos nos quais certas características funcionam e outras não.

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14 anos 9 meses atrás #9077 por um visitante
Respondido por um visitante no tópico Re:Características desejadas / indesejadas
Pra mim iogurte não chega a ser leite azedo, leite azedo mesmo é quando o filhote aqui esconde a mamadeira com um restinho dentro e só vamos achar dois dias depois. Aquilo fede, cara !

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