Cultuada por beergeeks dos quatro cantos do mundo, a Cantillon é uma pequena cervejaria familiar localizada em Anderlecht - uma comuna de Bruxelas. Fundada em 1900 por Paul Cantillon, sua especialidade é a produção de cervejas de fermentação espontânea conhecidas como Lambics. Hoje sob o comando de Jean-Pierre Van Roy (casado com a neta do fundador), a empresa produz cerca de 2500 hectolitros/ano.
Desde 1999, todos os cereais utilizados pela Cantillon têm procedência "orgânica". Como cada uma de suas garrafas leva cerca de três anos para ficar pronta, foi somente em 2003 que a primeira safra 100% orgânica pôde ser comercializada.
Quem se propõe a visitar a cervejaria tem a chance de fazer um tour pela fábrica, ou ainda tomar lotes muitas vezes limitados que só podem ser consumidos no local.
ROSÉ DE GAMBRINUS (2016)
*Envasada em 26/09/2016
Nesta receita, framboesas frescas são adicionadas (na proporção de 200 gramas por litro ) em uma mistura de cervejas lambic envelhecidas por dois anos em barris de carvalho. Entre oito e doze semanas depois, uma cota de lambic mais jovem (com cerca de uma ano) é acrescentada ao blend final a fim de gerar refermentação na garrafa. Após repousar por aproximadamente um mês, a garrafa está pronta para o comércio.
A degustação começa já com algo inusitado: mal acabei de remover a tampa de metal e a pequena rolha, que veda o gargalo, começou a se mover para fora espontaneamente. Segurei com o dedo e corri para a pia com medo de um eventual gushing. Para minha feliz surpresa, isto não aconteceu - apesar da rolha ter pulado alto ao soar do estampido. Esta é a prova de que a refermentação na garrafa ocorreu - e muito. Ressalto que a cervejaria está de parabéns também pelo envasamento adequado que segurou esta "bomba" por mais de oito anos no meu armário.
Líquido translúcido de coloração grená. Na taça, forma espuma marfim exuberante, de média retenção.
O aroma revela uma gueuze "funky", madura e complexa, porém já sem o frescor dos frutos. A framboesa, que costuma ser vívida em exemplares jovens do estilo, aqui se expressa como uma deliciosa geleia, a lembrar também morangos cozidos. Deste modo - em um piscar de olhos - notas de couro, pera, pimentão e baunilha tomam a frente, enquanto moderada acidez lática, nuances minerais e sutil acético, pincelam de fundo. Maravilha!
O sabor aponta uma cerveja extremamente atenuada graças ao excelente "trabalho" das leveduras "selvagens" que devoraram tudo o que viram pela frente durante os anos de encarceramento em garrafa. Nada de açúcares por aqui. O que se apresenta é uma cerveja de espírito refrescante, com carbonatação pulsante e corpo baixo-médio. Sugestões de pera azeda, pimentão, sal de frutas e discreto vinagre se destacam. Fugidia pitada de frutas vermelhas evoca o fantasma das framboesas. Uma acidez equilibrada corta o final seco, apimentado, amadeirado, ligeiramente salgado. Reminiscências de barril de carvalho persistem no retrogosto.
Cerveja estupenda, resultado de mais de cem anos de experimentação, aprimoramento e suor de seus desenvolvedores. Na degustação que marca a chegada dos meus 45 anos, o brinde vai para a Cantillon. Santé!