2548 North Halsted, Chicago, IL (Estados Unidos).
Naquele setembro, eu chegava aos Estados Unidos para fazer meu curso de Mestre em Estilos de Cerveja e Avaliação no Siebel Institute, de Chicago. Logo no desembarque, ainda em Nova York, o oficial americano de imigração segue o protocolo e me pergunta o motivo da minha visita ao país. Já escolado com as eventuais idiossincrasias dos oficiais de imigração do mundo todo, evitei mencionar meu real objetivo por ali, temendo que ele me pedisse um visto de estudante — o qual, por sinal, eu não tinha. “Vou a Chicago relaxar e curtir um blues”, respondi, com cara de férias. Na mesma hora, a sisudez do oficial se transforma em interesse genuíno. Assim, como eu, ele era um entusiasta do blues de Chicago, no que a fila de viajantes atrás de mim permaneceu longos minutos parada até que conversássemos animadamente sobre as nossas preferências musicais. De fato, curtir o lendário “blues elétrico” da cidade era meu segundo objetivo, cumprido nos dois dias pós-curso que me dei de presente na capital do estado de Illinois, antes de voltar ao Brasil.
Já havia pesquisado na internet, e o Kingston Mines me pareceu mais apetecível dentre a infinidade de casas de blues na cidade, unindo a aura de “templo” do blues — por ali sempre ciscam deuses sagrados do gênero — com uma atmosfera cozy e, claro, também pela presença das cervejas especiais. E, já que tinha escolhido meu hotel naquela mesma área do Lincoln Park, o que me possibilitava ir e voltar a pé, lá fui eu ciscar também. Tanto não me decepcionei como lá voltei mais uma vez, dia seguinte.
O Kingston Mines não tem exatamente uma carta de cervejas. Porém, há ótimas opções de brejas artesanais americanas, e por ali me deixei varar madrugadas bebericando a corretíssima e deliciosa Goose Island India Pale Ale (cuja cervejaria fica a poucos quarteirões dali) e a inusitada e megarrefrescante Purple Haze, da Abita Brewing Co. (Louisiana), uma cerveja de trigo com adição de framboesa — combinação, aliás, que poderia ser melhor explorada pelos cervejeiros artesanais brasileiros, mesmo que o seja com outras frutas.
A configuração interna do pub é bastante curiosa. Há, virtualmente, dois Kingston Mines, ambientes separados e praticamente autônomos, ambos abrigando cada qual o seu bar, seus garçons e seu palco. O barato é que sempre há duas bandas na casa, e um curioso revezamento entre elas: uma das bandas se apresenta no palco principal e, no break, a outra toca fogo no ambiente ao lado. Blues de verdade e ao vivo a noite toda, até as 4 da manhã. Coisa linda.
Lá pelas três, decidi que minha noite chegava ao fim, embora lá dentro o ambiente ainda fervesse. Na saída, vivi experiência que parece mentira, mas aconteceu. Vance Kelly em pessoa estava lá fora com sua banda aproveitando o break e fumando algumas cigarrilhas encostados nos carros estacionados no meio-fio. Quase ninguém os acompanhava. Saí e dei de cara com a lenda, que me cumprimentou e me perguntou o motivo pelo qual eu ia embora tão cedo. Aproveitei a deixa e me apresentei como brasileiro aficionado em blues, o que despertou a curiosidade do blueseiro. O papo foi breve, mas, pra mim, inesquecível.
Tudo, tudinho, pela estarrecedora quantia de quinze dólares, que é o valor — ridículo! — do ingresso no Kingston Mines. Como já perguntava Robert Johnson o fundador do blues, lá pelo começo do século passado, honey don´t you want to go to my sweet home Chicago?
Veja abaixo mais imagens do Kingston Mines e um pequeno filme de Vance Kelly em ação.
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