Aos poucos, o bar, que estava vazio por volta das 10 da manhã, quando chegamos, começa a receber apreciadores. Gente de todas as idades, que chegam em silêncio respeitoso e se sentam nas mais de 50 mesas espalhadas pelo amplo salão. Silenciosamente permanecem, enquanto um dos dois garçons percorre cada mesa e anota os pedidos, que são feitos quase num sussurro. Depositada a papeleta com cada pedido no balcão, um sujeito com cara de poucos amigos desaparece lá dentro. Poucos instantes depois, sai com as garrafinhas escolhidas, todas sem rótulo. Há pompa e circunstância quando o sujeito deposita cada conteúdo em sua respectiva taça. Na mesa, os clientes acompanham toda a operação, sem perder de vista as taças, que chegam com o líquido. Feito o pagamento na hora, como é praxe nos bares europeus, inicia-se outro ritual. Um a um, os comensais (ou “bebensais”?), de olhos fechados, levam as taças ao nariz. O primeiro e minúsculo gole é sempre acompanhado de uma leve elevação das cabeças, como num discretíssimo êxtase. Silêncio e contemplação.
Assim é a ambience do restaurante In de Vrede, bem ao lado da Abadia de Saint Sixtus, na localidade de Westvleteren, oeste da Bélgica. Ali, numa edificação austera de tijolos vermelhos, cerca de trinta monges cistercienses – ou “trapistas” – fabricam artesanalmente a que é considerara por inúmeros sites e especialistas do mundo todo a melhor cerveja do planeta.
A Ordem Trapista (oficialmente, Ordem dos Cistercienses Reformados de Estrita Observância) é uma congregação religiosa católica. Seus monges seguem o príncipio fundamental do ora et labora, vivendo em grande austeridade e silêncio. Fazem três votos: pobreza, castidade e obediência. Assim, a cerveja, fabricada em pequena quantidade no interior do mosteiro, é muito difícil de ser encontrada no mercado, já que os monges não a comercializam com o propósito do lucro, mas apenas para manter o funcionamento da própria abadia e alguns serviços de caridade. Em Westvleteren, esses religiosos basicamente rezam e fabricam a melhor cerveja do mundo. Nada mau.
Nossa aventura começa em Bruges, pequena e maravilhosa cidade medieval no norte da Bélgica que eu e Fabi, minha mulher, escolhemos para permanecer alguns dias durante o nosso mês sabático de dolce far niente na Europa. Peregrinamos pelos bares da cidade, notória pelos pubs exclusivos de cervejas (falarei disso num outro artigo) e experimentamos grandes rótulos belgas. Mas nada da Westvleteren. Perguntamos pelo néctar e só recebemos respostas negativas. Algo urgia ser feito. Resignada, a Fabi “aceitou” o convite deste bebedor. Iríamos, numa tarde qualquer, de carro a Westvleteren. Se a cerveja não chega ao bebedor, o bebedor que vá a ela.
Saímos de Bruges numa tarde ensolarada a buscar a cidade. Já tinha em mãos um mapa meio tosco da região. Em cerca de quarenta minutos chegamos à minúscula Veurne, de onde parte uma outra estrada vicinal que chega a Vleteren, esta dividida em duas: Oostvleteren e Westvleteren. Até aí foi fácil.
Depois de percorrermos a estrada entre Vleteren e Poperinge várias vezes, indo e voltando à busca de qualquer placa indicativa, nos resignamos com o fato de que simplesmente não há qualquer informação sobre a localização do mosteiro e do restaurante. Após perguntarmos em vários mercadinhos e postos da estrada, acabamos por pura sorte encontrando, quase totalmente encoberta pelo mato, uma minúscula placa branca a indicar: St-Sixtusabdij. Ao lado, brotava uma estradinha inacreditável, tão pequena que só cabia um carro.
Foi nesse caminho que nos metemos, sempre jogando o nosso pequeno Peugeot 207 literalmente dentro do mato toda vez que algum outro vinha em sentido contrário. Como paisagem, apenas uma grande área exclusivamente rural. Facilitou o fato de, ao menos nessa estradinha, haver placas indicando o caminho da abadia a cada bifurcação.
A pequena Abadia de Saint Sixtus aparece de repente, e caso eu não tivesse visto antes fotos da fachada, passaríamos batidos por ela. Tire da mente as imagens das grandes igrejas encasteladas e com altas fachadas medievais de outras abadias que você já viu ou faz idéia. Saint Sixtus não é, definitivamente, como o mosteiro do filme “O Nome Da Rosa”. Pelo contrário. Trata-se de uma edificação baixa muito simples, ao estilo flamengo. Meia dúzia de janelões, uma grande porta branca permanentemente fechada e, sobre ela, três estátuas de santos não identificáveis. Nenhuma movimentação visível. Logo à frente, o In De Vrede, o qual se parece bem maior que a própria abadia, plantado num pequeno e bem-cuidado jardim.
Eu e Fabi chegamos absolutamente secos e curiosos. Peregrinos que chegam a Meca. Andarilhos do Caminho chegando a Santiago. Decepção. Bar fechado! No jardim, dois homens conversando em flamengo diante de um regador. Nos olharam espantados quando perguntamos o motivo de tamanha impropriedade. “Hoje é sexta-feira. O bar não funciona de sexta-feira”. Nada a fazer senão rir do próprio infortúnio. Que diabos – ou santos – mandavam aqueles caras fecharem justamente na sexta? Mas deixe estar. Já sabíamos o caminho até ali, e isso ninguém poderia tirar da gente.
Dia seguinte, lá pelas nove da manhã. Naquela hora, até a Fabi, que não é cervejeira, estava decidida a vencer aqueles monges. Questão de honra. Pé na estrada. Aconteceu, enfim. Westvleteren 12, 8 e Blonde. Pra arrematar, outra 8, perfeita. O resto é êxtase, silêncio e contemplação…
Mauricio Beltramelli
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Mais imagens da “peregrinação”:
Bruin 8. Perfeita.
Sim, estes são os preços… no In de Vrede. No Brasil, a garrafinha, quando há, sai por R$ 100,00.
Este humilde escriba, em momento “eu não mereço tanto”.
Santa Blond.
Fabi e Westvleteren 12. Nirvana.
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Veja mais sobre este assunto clicando AQUI.
Comments
32 responses to “Westvleteren”
Só nao entendi o comentário sobre os precos: “Sim, estes são os preços…”
E mais uma vez parabens pelo blog !
Gustavo,
Eu quis dizer que esses são os preços NO MOSTEIRO, pra tomar lá mesmo.
O preço da garrafinha aqui no Brasil (encontrada, às vezes, no Belgian Beer Cafe), é de R$ 100 paus…
Um abraço e obrigado pelo elogio!
Mauricio
Ola galera,
Legal este site sobre cervejas, assunto que interessa a todos, e pode ate unir corinthianos e palmeirenses na mesma mesa.
Realmente, a Belgica e’ a Meca da Cerveja e depois de voces visitarem alguns destes lugares fica dificil curtir uma Brahma ou uma Skol.
Recomendo fortemente uma cerveja belga do lado dos flamingos o nome Kwok, ela e’ exelente e na minha opiniao tem uma melhor relacao custo/qualidade que a Chimay blue, porque a Chimay blue Grand Reserve e’ imbativel.
Abracos
Alex
Caro Alexandre,
Obrigado por acompanhar o BREJAS.
Realmente, tens razão. Depois de tomar as belgas, fica até difícil falar sobre Brahmas e quetais…
Sobre a sua sugestão, você não está se referindo à KWAK? Se estiver, trata-se de uma honeybeer (cerveja de mel), que já foi experimentada e rankeada por nós.
Grande abraço,
MAURICIO BELTRAMELLI
http://www.brejas.com.br
Ola Mauricio,
Voce tem razao, eu queria dizer Kwak, Pouwel Kwak, Anno 1791. A cerveja e’ otima, tem um tipo de taca que acompanha um suporte de madeira.
Mas quanto ao fato de ele ser uma honeybeer, eu nao pude confirmar, a Kwoak que eu costumo tomar nao esta escrito mel no rotulo, talvez haja um mais de uma Kwak.
Abracos
Alexandre
Olá,
Parabéns pelo artigo, Mauricio, realmente me deixou com agua na boca. Ainda não tive a sorte de provar esta, que sem dúvida é um grande desejo meu, mas só aumentou o desejo de ir à Bélgica hehe, ótimo artigo, conseguiu passar de forma brilhante o sentimento. Abraços. Roberto.
Obrigado, Roberto!
Quando puder, não deixe de experimentar a Westvleteren. Tenho certeza que vai ser uma experiência pra nunca mais esquecer.
Continue acompanhando o BREJAS!
Grande abraço.
Maurício,
Há tempos que não via uma matéria tão boa e um artigo tão bem escrito. Me deixou louco para ir pra bélgica.
Abraço
Boa tarde,
Ótima a matéria, é muito bom saber sempre mais sobre uma bebida tão interessante como nossa apreciada cerveja. Sou iniciante, ando apreciando Therezópolis, Norteña, Bohemia e etc.. , mas pretendo chegar lá (Westvleteren).
Obrigado.
Sabes o que me faz desesperar… é eu nao poder comprar esta cerveja e poder prova-la. Eu dava tudo para so saborear a famosa Westvleteren ABT 12. Eu, apesar de viver na europa, nao tenho muito dinheiro para ir À belgica so para ir comprar uma cerveja… em Portugal não conheço nenhum bar que a venda, ou site de internet que o faça…
E pagar 3.5 euros pela melhor cerveja do mundo ate parece uma brincadeira de crianças. no ebay eu vi 6 cervejas destas a 110 USD pra ai uns 90 euros, e pensei mas que negocio! mas depois li, que que compra esta cerveja nao deveria de comercializa-la, mas pronto é a vida.
Boa matéria sobre a famosa cerveja trapista belga, e aguçou ainda mais o meu apetite para a poder provar. E vcs são uns sortudos!!! podiam me dar uma no natal lol.
Carlos, tente pelo site http://www.beermani.be
O dono é um iraniano, o Nasser, que entrega no mundo todo.
Ele tem a Westvleteren 12 a 12 Euros. Não sei quanto é o frete para Portugal (mas para o Brazil é uma bica)
Olhe eu segui o seu link e acabei por fazer uma encomenda para mim. mas como os portes são muito caros não fiquei so por uma meia duzia de garrafas lol. Como curiosidade, os portes de envio para portugal sao 95€ e para o brasil são cerca de 400€. Isso é demasiado dinheiro, so para pagar os custos da encomenda.
E agora estou a espera da encomenda. depois digo qualquer coisa depois de provar Westvleteren ABT 12. encomendei 3 dessas, se alguem quiser uma…
Grande Carlos,
Parabéns pela aquisição!
Não deixe de comentar aqui o que achou dessa breja Trapista!
Um abraço.
boa! depois conte se o serviço de entrega funcionou perfeitamente.
A minha encomenda já chegou!!
E sabem qual foi a primeira que eu provei? pois claro!
A garrafa é simples sem rótulos com uma tampinha amarela, com o simbolo da abadia. Abri-a e quando eu dei o primeiro gole na cervaja eu disse 3 vezes “Uau”. Nunca tinha provado uma cerveja tão boa… e ao mesmo tempo tão diferente dakilo que eu tenho estado habituado. Não se compara a nada!
Tem um sabor intenso e ficamos com ele na boca muito tempo depois de a ter bebido. A textura da cerveja na boca, não sei como descrever, mas perece veludo, é tão macia e suave. Mas nota-se o álcool (10%) depois de terminar a cerveja. afinal eu estou habituado a consumir cervejas com teor de álcool a volta dos 4%.
Para o Sussumu, que me recomendou o site, a encomenda decorreu normalmente e levou 8 dias a chegar da belgica ate portugal. Uma caixa enorme cheia de esferovite e as garrafas embrulhadas em papel impede que as garrafas se partem. Excelente Serviço e no futuro vou encomendar mais.
E ainda tenho mais 5 garrafas destas, e 2 Westmalle Trappist Tripel, 4 val dieu e 4 abbaye des rocs, e mais umas quantas… Estou FELIZ! Sai das trevas em relação à degustação de cerveja… Obrigado Brejeiros, se nao fossem voces eu ainda era um simples mortal…
Carlos Candeias,
Seja muito bem-vindo à luz no fim do túnel e junte-se a nós! rssss…
Um abração e ótimas degustações das “meninas” que você tem em seu poder.
Boa Carlão!
tome por nós.
abs,
Conhecem este site?
http://shop.belgianshop.com/
Tem Westvleteren 12°-1/3L por $24… (frete?)
http://shop.belgianshop.com/acatalog/Westvleteren.html?gclid=CP7hhOnmiJgCFRQhnAodRjeLCw
Alexandre,
Se você não estiver na União Europeia, é quase certo que a sua cerveja não chegará até você, por conta das leis bilaterais que impedem o envio de alimentos.
Um abraço.
Oi Mauricio, obrigado e parabéns: ótimo blog!
Um forte abraço.
[…] – A visita deste escriba à Abadia de St. Sixtus. […]
Primeiramente, parabéns pelo blog!
Eu tenho uma pergunta: qual a temperatura em que eles servem essa cerveja no restaurante?
Abraço!
Obrigado, Douglas!
Eles servem a Westvleteren a, no máximo 10, graus Celsuis.
Pro brasileiro que bebe cervejas comuns (e ruins) pra “chapar”, essa breja estaria “quente”.
Mas 10 a 12 graus é a temperatura ideal pra degustar corretamente uma cerveja desse estilo e desse porte.
Um abração.
“Foi nesse caminho que nos metemos, sempre jogando o nosso pequeno Peugeot 207 literalmente dentro do mato toda vez que algum outro vinha em sentido contrário” Como vc conseguiu descolar um carro em uma viagem à Europa? Alugou? Mas e a carteira… vc tem dupla cidadania? (Pergunto pq estou planejando minha primeira viagem [cervejeira :D] à Europa…)
Qto a bera… to susse… em junho, eu e a girl na Bélgica. Certeza 😉
Adamastor,
um amigo meu tirou a carteira internacional em um automóvel clube em sampa.
Adamastor,
Pra dirigir na Europa, você pode alugar ou fazer um leasing de um veículo zero, se ficar 17 dias ou mais com ele. Esse foi o nosso caso em relação ao Peugeot.
A Carteira Internacional é mesmo tirada em Automóvel Clube.
Quer um conselho? Descole um bom agente de viagens, que vai cuidar de tudo isso pra você!
Um abração.
Maurício, que belo post. Adorei a finalização: êxtase, silêncio e contemplação.
Eu e meu marido estaremos em Bruges em daqui a 20 dias. Está nos nossos planos fazer o mesmo que vocês 🙂
Foi ótimo ler o post, porque estava programando ir na sexta-feira! Agora vou ver se fica melhor ir na quinta, ou sábado, parando lá já no caminho para Luxemburgo….
Para visitar o bar, não precisa de reservas, né?
Abraços!
Vanessa
Olá Vanessa!
Obrigado pelos elogios!
Não é necessário fazer reserva para visitar o De Vrede. Porém, perto da hora do almoço, pelo menos no sábado (que foi o dia que estive lá), ele costuma lotar.
Um abraço.
Onde consigo encontrar essa cerveja aqui no Brasil.
Mauricio parabens pelo site.
Luiz….se conseguir encontrar e tiver coragem de pagar o que estarão pedindo por ela me avise.
Essa cerveja não comercializada, e quando você vai até lá, pode comprar no restaurante deles 6 garrafinhas por pessoa.
Quer saber? Vá até lá. Se hospede em Bruges que é do ladinho e ainda tem outra super cerveja, que, inclusive, achei melhor que a clara da Abadia de Sint Sixtus: a de Garre! É de um pub minúsculo que produz a própria cerveja, tipo abadia. A cerveja é densa, pesada, tem presença! Parece um milk shake de tão incorpada. De.li.ci.o.sa! E essa não tem pra vender nem em quantidades ínfimas.
Abraços!
Fala Maurício!Estou indo pra Amsterdan e acho que talvez vc tenha boas indicações de lugares pra tomar uma boa breja por la.E se é permitido traze-las para o Brasil.
Abç.
Oi Maurício, tudo bem? Cara, o mais legal é que lendo hoje o artigo (23/06/2011), me parece tão atual que se eu não tivesse visto a data da publicação não diria que foi em 2007. Te digo que foi mais uma motivação pra me programar e ir atrás das Westvleteren. Parabéns e grande abraço. Espero conhecê-lo na BrasilBrau.
Junior Carvalho
Templo da Cerveja
Curitiba