Matéria publicada no jornal Gazeta Mercantil:
Que o brasileiro adora uma cervejinha gelada ninguém tem dúvida. E os números do mercado só confirmam isso. Nos últimos anos, o consumo da loira gelada no País manteve-se em torno de 10,3 bilhões de litros, volume que só fica atrás do registrado na China, de 35 bilhões de litros, nos Estados Unidos, com 23,6 bilhões de litros e, claro, na Alemanha, com 10,7 bilhões de litros. Mas, recentemente, uma conjunção de fatores vem impulsionando o segmento de cervejas especiais, aquelas que vão além do consagrado tipo Pilsen. A maioria é feita por microcervejarias espalhadas por todo Brasil, que registraram uma expansão considerável desde 2005. Somente no ano passado, o crescimento do segmento foi cerca de três vezes maior do que os 5% do mercado total de cervejas.
Mesmo respondendo por menos de 2% do volume total da bebida em todo o País, as cervejas especiais conquistam cada vez mais adeptos pelos sabores inusitados. E, assim como o vinho, começam a ganhar status dentro do mundo gourmet. Há três anos a mestre cervejeira Cilene Saorin dedicava 80% de seu tempo trabalhando em cervejarias. “Hoje 80% desse tempo é dedicado ao trabalho de beer sommelier, elaborando cartas de cerveja e harmonização com pratos para bares e restaurantes”, explica a especialista. Essa virada em apenas três anos, segundo ela, deve-se à revolução realizada por alguns profissionais nas microcervejarias, que evoluem cada dia mais na elaboração de novos produtos.
Um bom exemplo disso é a Colorado, de Ribeirão Preto (SP), que inovou incluindo na mistura da cevada com lúpulo ingredientes bem brasileiros como o café e a rapadura. A novidade rendeu uma medalha de ouro no European Beer Star Award, um dos mais importantes concursos cervejeiros do mundo, realizado em Nuremberg, na Alemanha. Com 14 anos de estrada, a Colorado já produz em média 50 mil litros por mês. Há um ano e meio começou a fabricar cervejas em garrafa, ampliando a produção que antes era só em barril de chope. Para isso, investiu até agora cerca de US$ 1,2 milhão na compra de novas máquinas.
Para o proprietário da Colorado, Marcelo Carneiro da Rocha, além de gostar de cerveja, o brasileiro também quer experimentar coisas novas. “Este é um mercado ávido por novidades”, diz. Segundo o empresário, nem a Lei Seca tirou o ânimo dos bebedores, que passaram a consumir mais a bebida em casa. “Em nosso bar em Ribeirão, não tivemos redução de consumo e, além disso, estamos vendendo bastante em supermercados, o que não acontecia antes”, acrescenta.
Os números da ACNielsen confirmam um aumento em torno de 10% na comercialização por esse canal, conhecido como autosserviço, somente no último ano.
Os indicadores também estimularam outra microcervejaria a produzir em garrafas. Tradicional fabricante de chopes, a Bamberg investiu R$ 2 milhões e já produz cerca de 50 mil litros por mês em sua fábrica na cidade de Votorantim (SP). Lá são fabricadas nove tipos de cervejas ao longo do ano, sendo cinco permanentes e quatro sazonais. Todas elas seguem a tradicional receita alemã de fazer cerveja. Segundo o sócio e cervejeiro oficial da Bamberg, Alexandre Bazzo, mesmo sendo um mercado pequeno o crescimento é consistente. “Nos últimos anos, muitas pessoas viajaram para o exterior e experimentaram coisas diferentes e agora também querem ter isso aqui”, diz.
A gaúcha Dado Bier anunciou recentemente que vai voltar a ter produção em escala industrial com o lançamento das embalagens de um litro. A iniciativa permitirá mais do que triplicar os volumes este ano, saltando de uma produção de 700 mil litros em 2008 para mais de 2 milhões de litros, conforme estimativas consideradas conservadoras. A decisão pela embalagem, conforme a empresa gaúcha, se deu pela observação da mudança do comportamento do consumidor brasileiro de beber mais em casa com a família e amigos, influenciada por fatores como a Lei Seca, além da boa aceitação das cervejas uruguaias no País, tradicionalmente envasadas em garrafas de 1 litro.
Para os próximos cinco a 10 anos, a tendência do mercado de cervejas especiais é continuar crescendo, na opinião da beer sommelier. A única pedra no caminho das microcervejarias, atualmente, é a mudança no sistema de cobrança do IPI, que passou a ser cobrado de acordo com o valor do produto. “O aumento da carga tributária pode inviabilizar o futuro das microcervejarias, porque não considera o tamanho das empresas”, afirma Cilene.
Para o diretor executivo da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), José Augusto Rodrigues da Silva, o novo sistema de cobrança de IPI das bebidas, que tem como base os preços dos produtos, é mais eficiente e, sobretudo, muito mais justo. “Porque produtos mais caros pagam mais e mais baratos pagam menos”, diz.
Conforme dados da Abrabe, o mercado de cervejas responde por aproximadamente 90% do consumo total de bebidas no País, seguido pela cachaça com cerca de 5%, relativos a 2007. Embora o volume das cervejas especiais ainda seja baixo, destaca a importância do segmento que desperta no consumidor o interesse por produtos diferenciados. Esse consumidor mais atento tem feito não só as cervejarias, como também as fabricantes de outras bebidas, aumentar a oferta de produtos, diz Silva.
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