A cerveja “Brahma Seleção Especial” é mesmo feita com cevada plantada na Granja Comary?
Uma das polêmicas de ontem nas mídias sociais foi a nota do jornalista esportivo Juca Kfouri ao afirmar que não havia encontrado a plantação de cevada na Granja Comary a partir da qual, conforme a campanha publicitária, teria sido fabricada a cerveja “Brahma Seleção Especial” (entenda aqui a questão).
Uma análise mais ponderada do caso suscita uma questão: estaria a AmBev mentindo? A cevada utilizada na cerveja veio mesmo do “solo sagrado” da Granja Comary? A partir dessa suspeita, segundo Kfouri, um terremoto estaria a assolar a AmBev nesse momento, com consumidores e donos de supermercados exigindo devoluções de mercadorias e indenizações.
Prontamente brotaram especialistas a tentar esclarecer a questão. Alguns deles chegaram a esquadrinhar a quantidade de cevada plantada em relação ao espaço disponível no terreno do centro de treinamento da Seleção, estimando matematicamente o que poderia ser maltado e efetivamente utilizado numa produção cervejeira, tudo com a intenção de “provar” que a propaganda é um embuste, já que não haveria matéria prima suficiente para uma grande produção. Outros, mais raivosos, têm certeza que, como exposto na matéria de Kfouri, a plantação só foi posta lá pra gravar o comercial, e depois tudo foi pro lixão de Teresópolis.
A pergunta de ouro é: E DAÍ???
Você realmente acredita que aquele desodorante é muito melhor porque tem “partículas de cabra macho”? Você usa aquele outro porque, se usar, “elas avançam”? Costuma comprar o seu sabão em pó só por causa dos nomes mirabolantes — e inventados — dos alegados “princípios ativos”? O seu xampu está na prateleira da sua casa por causa do nome elaborado do tipo “multiqueratine”?
Você acredita, de verdade, uma cerveja cuja cevada foi alegadamente plantada no “solo sagrado da Granja Comary” vai te dar superpoderes? Você crê que será, dessa forma, “abençoado” pelos “nossos craques”, aqueles senhores milionários de camisa amarela que você passou a idolatrar e que, por algum motivo que só você pode explicar, te representam?
A propaganda está aí pra isso mesmo: alardear seus produtos como os melhores do universo. Na propaganda — inclusive política — o proselitismo não é apenas uma alternativa. É quase obrigatório. Não se gastam milhões de reais numa campanha publicitária que induza o consumidor a questionar se o produto é ou não o melhor. A dinheirama é gasta pra fazê-lo ter certeza disso.
“Propaganda enganosa!”, bradarão alguns
De fato, a lei brasileira protege o consumidor de espertinhos que tentam fazê-lo crer que um determinado produto ou serviço tem o que, de fato, não tem. No caso Kfouri-AmBev, apesar da discussão ser inútil, é bem possível que pelo menos uma pequena parte da cevada plantada na Granja Comary tenha sido usada na produção da Brahma Seleção Especial. Nem que tenha sido um grão por garrafa. É imperioso notar que a empresa, em seu comunicado oficial, diz que “o cereal foi beneficiado, transformado em malte e utilizado na produção da cerveja”. Como bem ponderou o leitor de BREJAS Marcio Rossi, a empresa se aproveita publicitariamente de uma informação que não pode ser provada (ou desmentida!). É o mesmo caso daquele refrigerante que diz, no rótulo, que “contém suco natural”. Ninguém, em sã consciência, acredita que a bebida contenha 100% de suco natural. E fica por isso mesmo, sem qualquer indignação.
A revolta dos “Torcedores de Rótulos”
No meu livro “Cervejas, Brejas e Birras”, eu dedico todo um capítulo para esquadrinhar a cabecinha desse espécime de consumidor a quem eu chamo de “Torcedor de Rótulo”. A esse, não há que se discutir a qualidade dos ingredientes da sua “cerveja do coração”, bastando-lhe a embalagem bacana, a musiquinha da campanha na TV, a modelo gostosa ou os jogadores de futebol que aparecem apoiando a marca. E pronto, o consumidor vira um torcedor, um defensor da marca.
A essas pobres almas, e somente a essas, concedo o benefício da revolta. Esse pobre-coitado, a quem a sorte não aquinhoou com inteligência suficiente para questionar a propaganda na TV e entender que se trata de, bem, uma propaganda, e não o Diário Oficial, esse sim tem porque se revoltar. Motivo sim, mas não direito, frise-se! Pois juiz nenhum levará a sério um consumidor que acha que a cevada supostamente plantada com a “bênção” de jogadores de futebol fará a grande diferença do produto!
É de avaliações e escolhas que se faz a vida. Escolha beber a cerveja “abençoada pelos craques”, e espere a retribuição possível. A mesma conta deve ser feita diante, por exemplo, de uma urna eletrônica. Essa sim, uma escolha que fará a diferença.
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