Sommelier de cervejas: Estamos formando profissionais “demais”?

Número de profissionais de cerveja tem crescido

Com o aumento exponencial do interesse dos brasileiros sobre cervejas especiais, estão vindo a reboque os cursos de formação de sommelier de cervejas, os quais vêm sendo cada vez mais procurados. Sou docente de uma dessas instituições de ensino (Doemens-Senac) e, nessa condição, ultimamente venho sendo abordado por muita gente a me manifestar sobre uma das questões do momento nessa seara: Estamos formando sommeliers demais? O número desses profissionais no mercado já não parece excessivo? Precisamos de tantos sommeliers de cervejas?

Nas mídias sociais e entre-dentes, muita gente anda respondendo afirmativamente a essas perguntas, mesmo sem análise mais detida. Segundo pensam, há uma “indústria” de diplomas de sommelier de cervejas em atividade, produzindo novos profissionais em série. De acordo com essas vozes, já há sommeliers de cerveja em demasia. A percepção, entretanto, é equivocada, e não resiste quando posta de encontro aos números.

Matemática desmente opiniões

Não há como falarmos da expansão das vendas de cervejas especiais e da atividade de sommelier de cervejas se não houver comparação com o mercado nacional de vinhos. A atual explosão do interesse do brasileiro pelas brejas de estirpe está historicamente associada ao mesmo fato ocorrido com o vinho, acontecido há três décadas. O próprio termo sommelier é derivado do mundo dos vinhos. Embora sejam bebidas diferentes, a associação entre o crescimento dos dois mercados é mandatória caso queiramos entender o que se passa hoje no mundo da cerveja. É a partir daí que inicio a conta.

Como era de se esperar, com o início da cultura vinícola no Brasil, que se deu em meados da década de 1980, começaram a vicejar por aqui os primeiros cursos de formação de sommelliers. Segundo informação que obtive de um profissional ligado ao braço paulista da ABS (Associação Brasileira de Sommeliers), somente no estado de São Paulo foram formados mais de 6 mil profissionais de vinho desde aquela época.

Não obtive dados da formação de sommeliers de vinhos no resto do Brasil, mas é plenamente aceitável imaginar que, em nível nacional, numa conta absolutamente conservadora, podemos extrapolar no mínimo ao dobro o número paulista. Assim, a estimativa é de que tenhamos, em todo o território nacional, cerca de 12 mil profissionais. Essa conta é conservadora, repita-se.

Só 4% de cervejeiros

Nesse passo, retornemos ao campo cervejeiro. Considerando que os cursos de formação de sommeliers de cerveja começaram a ser lançados no país há apenas dois anos — as primeiras turmas formaram-se no final de 2010 –, o número total de profissionais ainda não chega a quinhentos. Ou seja, do total de sommeliers brasileiros, apenas 4% são especialistas em cervejas — e olhe que o Brasil é um país no qual é notória a predileção pelas brejas!

De acordo com o último censo do IBGE, de 2010, do total da população brasileira de mais de 190 milhões de almas, temos o número exato de 127.809.529 pessoas acima de 18 anos e, nessa condição, potenciais consumidoras de bebidas alcoólicas. Fazendo as contas, o resultado não nos trai:

Claro que nem toda essa gente é consumidora de vinho ou cerveja — em que pese, novamente, a histórica predileção geral do brasileiro pela cerveja –, e nem todo mundo procura por um profissional que as auxilie em suas escolhas gastronômicas. Mas, de qualquer forma, a proporção é exatamente esta, e os números não traem a conclusão óbvia: Estamos apenas começando a formar profissionais que atuam como embaixadores da cerveja no Brasil.

Cursos ou alunos deficitários?

Pode-se objetar esse artigo ao defender-se a tese segundo a qual estaríamos formando profissionais semi-acabados e inaptos a ingressarem no mercado de trabalho, a brandir canudos e exigindo seus lugares entre os verdadeiros conhecedores. Trata-se de uma observação que pode ser verdadeira em alguns casos, mas a depender de um sem-número de variáveis não-quantificáveis, como a excelência do curso, dos professores, da experiência prévia do aluno no estudo de cervejas e até mesmo a sua motivação em relação ao assunto após formado.

Nas turmas que formo enquanto docente, alerto exaustivamente a todos que o diploma de conclusão do curso de formação de sommelier de cervejas é apenas o início de uma longa vida de estudos e experiências empíricas. Só o canudo não basta.

Há profissionais desqualificados a exercerem as atribuições de sommelier de cervejas? Certamente! Assim como os há em todas as outras profissões, de médicos a engenheiros e advogados, não importando as faculdades nas quais estudaram. Como todo mundo está cansado de saber, é o aluno que faz a faculdade, e não o contrário. Quem faz a diferença é o aprendiz que ousa, se esforça, vai além e constrói sua própria história. A academia, qualquer que seja ela, está lá pra fornecer apenas a base.

Precisamos de mais profissionais!

É o próprio mercado de cervejas, em franca expansão e amadurecimento, que vai selecionar os profissionais mais gabaritados e experientes, não importando a escola em que se formaram. Apenas os melhores permanecerão, seguindo a velha máxima a atestar que “quem não tem competência não se estabelece”. Como, aliás, em qualquer outra atividade.

Não há sommeliers de cervejas demais. Pelo contrário! precisamos de muitos mais do que aí já estão para passarmos a informação da cultura cervejeira aos consumidores brasileiros, a esmagadora maioria deles ainda cativos da informação da grande mídia.