Os políticos evangélicos e a sucessiva demonização da cerveja
Por Pedro Migão *
O ponto que vem alcançando maior polêmica no recente debate da Lei Geral da Copa é a questão que reside na permissão ou não a venda de cerveja nos estádios durante a competição. Hoje, é praticamente impossível conseguir-se ficar bêbado dentro de um estádio e, entre os países com tradição na prática do futebol, somente a Argentina tem regras restritivas iguais às nossas.
Obscurantismo religioso e imposição da fé
Está em tramitação na Assembléia Legislativa de São Paulo projeto de lei (767/2011) de autoria do deputado (evangélico) Campos Machado que proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em espaços públicos ao ar livre, bem como restringe o porte e o transporte de tais produtos ainda que para consumo doméstico. A proposta está pronta para ser votada e, caso aprovada, seguirá para sanção do governador Geraldo Alckmin.
Caso aprovada, a proposta impedirá o consumo de bebidas fora das residências e de recintos fechados, nestes últimos desde que não haja nenhum agente público envolvido. Na prática, quaisquer eventos em que haja o mínimo envolvimento de órgãos ligados à administração pública não poderão ter venda ou consumo. Ou seja, o consumo somente seria permitido em bares e restaurantes, que não podem ter mesas ou cadeiras fora do espaço fechado. Torna-se crime, também, levar o seu isopor com cerveja para consumir na praia ou em parques.
O transporte passaria a ser permitido apenas de forma a não aparecer qualquer indício de que haja bebida alcoólica, também sob tipificação penal. Na prática o projeto de lei impõe uma “Lei Seca” parcial, de acordo com os cânones da doutrina evangélica e pentecostal. Trechos da justificativa do projeto deixam claro isso:
“Entretanto, diferentemente do consumo de cigarros, os quais trazem malefícios para quem fuma e para quem convive com fumantes, em ambientes fechados, o malefício da bebida alcoólica foge dos limites de problema de saúde para se tornar um problema comportamental.
O elevado consumo de bebida alcoólica, todos os dias assistimos nos telejornais e na imprensa em geral, gera os mais terríveis acidentes automobilísticos, assim como as barbáries de crimes violentos. Seus efeitos não são só nocivos para quem os usa. Seus efeitos se tornam uma verdadeira arma letal nos organismos dos jovens.
E é nesse prisma que apresentamos o presente projeto de lei, pretendendo que o Estado (…) dê o exemplo para que os locais de uso público, sob responsabilidade dos Órgãos governamentais, não disponibilize, sob qualquer forma, a bebida alcoólica para seus frequentadores. Esta prática, supostamente inocente sem sombra de dúvida, incentiva as pessoas à ingestão do álcool.
Não se pode ser permissivo quando se trata de bebida alcoólica. O limite é zero. Não cabe proibir só determinada graduação etílica.”
Este tipo de argumentação é familiar ao leitor, correto? Qualquer um que tenha parentes evangélicos já ouviu perorações nesta linha. Como escrevi em dois artigos ainda nos primórdios deste blog, para os evangélicos pentecostais não basta professar a fé: é obrigatório impor os costumes aos outros.
Menos imposição e mais educação!
Não se pode vir com o pretexto de que “estamos combatendo os excessos”: o objetivo puro e simples é impor a sua doutrina. Excessos se combatem com campanhas educativas e restrições à publicidade em determinados horários, não com a proibição total. Note-se que a carga tributária já é extremamente alta justamente para desestimular o consumo.
O leitor sabe que sou adepto e divulgador da cultura cervejeira, ainda se fortalecendo aqui no Brasil. Pois um dos lemas máximos é exatamente “beba menos, beba melhor”. Menor quantidade, enfatizando o prazer e não o “ficar bêbado”. E a experiência da Lei Seca norte americana no Século XX mostrou que a proibição não acaba com o consumo.
Claramente a minha avaliação é de que este tipo de iniciativa em São Paulo é um “balão de ensaio” para a médio prazo se propor algo a nível nacional. Observe o amigo que as restrições ao transporte de certa forma irão inibir o consumo também nas residências, haja visto que não se conseguirá transportar da forma exigida pela proposição de lei pouco mais que seis long necks ou doze latinhas.
Ressalte-se que, hoje, quem bebe um chope e eventualmente dirige é tratado com um rigor maior que o de um assassino em série. Beber e dirigir é errado? É. Mas a minha avaliação é de que está havendo um claro exagero nesta questão – a lei anterior, de 0,6 decigrama, já era uma das mais rigorosas do mundo.
Bafômetros nos bares
O estado de São Paulo também tem outro projeto de lei em processo final que determina que bares e restaurantes tenham bafômetros em suas dependências de forma obrigatória. Em um segundo momento a impressão que eu tenho é de que irá se buscar restringir ou proibir a venda e o consumo em bares e restaurantes.
Noves-fora a questão do álcool, isso tudo demonstra uma interferência indevida da religião em um Estado laico. E afirmo isso com muito conforto, pois sou uma pessoa religiosa e acho inadequadas quaisquer tentativas de se impor a sua fé a outros. Contudo, quando há a utilização do aparato de Estado para tornar fé hegemônica, é algo muito perigoso e de consequências absolutamente imprevisíveis.
A questão primordial deste artigo não é a de defender ou estimular o consumo de bebidas alcoólicas, e sim alertar para esta interferência indevida da religião no Estado e na sociedade. O Estado brasileiro é laico e assim deve permanecer.
P.S. – Vale lembrar que nem Jesus Cristo poderia ser membro de uma Igreja Evangélica Pentecostal hoje aqui no Brasil. Afinal de contas, ele transformou água em vinho…
———————-
* Pedro Migão é editor do blog Ouro de Tolo, de onde este artigo foi editado
Leave a Reply
You must be logged in to post a comment.