Bières Brut, Parte VII – Quinteto virtuoso

Por Alexandre Marcussi*

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Esta matéria em nove partes sobre as bières brut foi escrita e publicada entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012 no blog O Cru e o Maltado, e agora está sendo republicada na íntegra, em versão revisada, no BREJAS.

Com a chegada do fim de ano, eu não poderia deixar de registrar algumas linhas sobre o estilo de cerveja mais associado às grandes festas e celebrações: as bièresbrut. Em suas encarnações belgas ou brasileiras, ela seguramente estará na mesa de vários amantes de cervejas artesanais neste réveillon. Curiosamente, o Brasil é um dos países que mais se destacam na produção deste elaborado estilo tipicamente belga, o que sem dúvida é motivo de orgulho e sinal de maturidade de nossa indústria – mas também deve ser um alerta para pensarmos um pouco. Abro aqui uma série de posts sobre as bièresbrut, com o objetivo não apenas de ajudar na escolha do rótulo mais adequado para cada um, mas também para incentivar uma reflexão sobre o significado que essas cervejas têm assumido no Brasil nos últimos anos. Comecemos pela última parte.
A celebração na mesa
O final de ano é a época em que fazemos uma pausa, tentamos passar em revista o ano que se foi e meditamos sobre o que virá. Invariavelmente, a época pede celebração, e as festas são ensejo para novas comidas, novas experiências: a despensa e a mesa se enriquecem com produtos que reaparecem magicamente nos supermercados em novembro para voltarem em janeiro ao seu silencioso exílio, como as castanhas portuguesas com as quais pretendo, mais uma vez, tentar fazer marron glacé. Tentar. Pela terceira vez.
Esse momento de reorganização da vida e do nosso ritmo cotidiano é marcado com uma dieta diferente, a das grandes festas, que quebra o ciclo da alimentação cotidiana e instaura uma ruptura do tempo “normal” de nossas vidas. Novas comidas, e também novas bebidas para marcar, na mesa, esse novo tempo que se vive. Não podem faltar asbebidas normalmente dedicadas às celebrações, em especial o espumante – seja o tradicional champagne para os mais abastados, seja um vinho frisante de qualquer outra procedência ou mesmo uma sidra popular. Em contraste com a corpulência dos vinhos tintos mais gordos, a leveza quase diáfana dos espumantes convida-nos a esquecer nossas preocupações por um instante, e a sensação frisante brinca com nossa sensibilidade e nos torna mais receptivos ao novo, ao alegre.
Claro que celebrações também são momentos de dispormos das riquezas que acumulamos para contentar nossos entes queridos – ou para nosso próprio contentamento autoindulgente. Entre os povos nativos da costa oeste norte-americana, era comum a realização de cerimônias periódicas conhecidas como potlatch, em que os chefes mais ricos distribuíam presentes e, eventualmente, até mesmo desperdiçavam intencionalmente e destruíam riquezas. Será que nossas suntuosas festas de fim de ano ou as de casamento que alguns anfitriões abastados preparam não têm uma função semelhante? Sem dúvida têm, mas com uma diferença: numa sociedade baseada na troca e na reciprocidade, como é o caso dos indígenas norte-americanos, o potlatch funciona como momento privilegiado de união entre as pessoas e de acesso a produtos escassos. Já na nossa sociedade de mercado consumista, festas suntuosas adquirem o papel de ostentação de riqueza e demarcação de hierarquias de status.
Seja como for, esse período está – para o bem e para o mal – associado à fartura: ao seu desfrute e também à sua ostentação. Por isso, as bebidas da época assumem uma aura de sofisticação e de riqueza: quem poderá negar que, entre todos os tipos de vinho, os champagnes são os mais rodeados de uma aura de glamour? Quanto mais caro, aliás, maior é o status de quem oferece (ou, pior, bebe solitariamente) a garrafa. Para alguns consumidores, isso parece influenciar a percepção de preços de tais produtos. As pessoas parecem se esquecer de que o alto preço final doschampagnes para o consumidor está ligado aos altos custos envolvidos em sua fabricação (voltaremos a esse ponto nos próximos posts), e parecem acreditar que está antes ligado a esse suposto glamour da bebida, levando a todo tipo de mistificação, esnobismo e abuso. Quem está mais preocupado em usar a bebida para ostentar a riqueza acaba, no fundo, bebendo dinheiro. Não importam as qualidades do que se bebe: importa o quanto custou. Numa curiosa inversão, quantomais caro, melhor é o custo-benefício (!): afinal, o objetivo não é pagar pouco por um produto de qualidade, mas pagar muito por um produto, qualquer que seja sua qualidade.
Nós, amantes de cervejas, frequentemente nos lamentamos pela diferença de percepção e julgamento que as pessoas ainda parecem fazer a respeito de vinhos e cervejas. Muitos consideram, ainda hoje, a cerveja como a “prima pobre” dos vinhos: mais barata (embora saibamos que nem sempre é esse o caso) e, consequentemente, menos interessante e refinada. Produto do mesmo pensamento tosco, ostentatório e simplista típico de uma cultura embasbacada com seu recente acesso ao mundo do consumo de luxo. Babaquices do Brasil do século XXI, em suma. Muitas vezes, saímos em defesa de nossas queridas cervejas, advogando que tenham o mesmo status concedido ao nobre fermentado de uvas. Questiono-me se essa paridade realmente é a melhor estratégia. Às vezes, equiparar cervejas e vinhos pode ser um tiro pela culatra: podemos absorver o melhor, mas também podemos ser presenteados com o pior da cultura enófila brasileira. E, infelizmente, esses fetiches perversos que rondam os vinhos nas festas de fim de ano em nossa sociedade consumista parecem estar também contaminando nossas cervejas.
As bièresbrut, nesse mercado de luxo que tem se tornado o segmento das cervejas ditas “especiais”, estão assumindo as características associadas ao champagne – as boas e as ruins, indistintamente. A comparação se impõe quase naturalmente: ambas as bebidas usam o mesmo método de produção, o chamado método champenoise, aprimorado pelo abade Dom Pérignon no século XVII e por Nicole Ponsardin, a célebre viúvaCliquot, no início do século XIX. Na verdade, as cervejas, em especial as da escola belga, guardam muito mais semelhanças com oschampagnes do que se poderia supor a princípio. Voltaremos a isso mais tarde. Mas o fato é que, quando surgiu em 2002 a primeira representante deste novo estilo cervejeiro, a belga Deus, ela foi apresentada imediatamente como um “champagne das cervejas”, servida inclusive na tradicional taça doschampagnes(a “flauta”). O mesmo marketing foi aplicado aos rótulos brasileiros, inclusive. Como resultado, a comparação com os champagnes se consolidou definitivamente.
Como para confirmar essa vinculação, a cerveja Deus estabeleceu um novo patamar de preços. Na Europa, a garrafa de 750ml custa em torno de € 15-20. No Brasil, como se sabe, é corriqueiro encontrá-la acima dos R$ 200, o que corresponde à faixa de preços de um champagne mais comercial, como o Moët&Chandon ou o VeuveCliquotPonsardin. Outras bièresbrut, mesmo as nacionais, normalmente ultrapassam os R$ 100, com a exceção feita à versão mais comercial da EisenbahnLust. Isso as torna vítimas fáceis daquele fetichismo e daquela inversão de preços que comentei em relação aochampagne: paradoxalmente, a Deus é uma cerveja que vende muito bem no Brasil – não apesar do seu preço, como se poderia pensar, mas justamentepor causa dele! Na estúpida lógica do quanto mais caro, melhor, esses rótulos catapultaram automaticamente as cervejas para um novo patamar dentro do mercado de luxo nacional. Os importadores e produtores têm, compreensivelmente, explorado com avidez esse novo e lucrativo nicho de mercado que se abriu para as cervejas, mas será que não existem alguns prejuízos desse tipo de inserção de mercado para um produto como uma cerveja? Não se trata de uma inserção conquistada gradativamente a partir das qualidades organolépticas e sensoriais do produto e da experiência pessoal de vários consumidores, mas de uma mera estratégia de precificação. Posicionamento superficial, frágil, sujeito a todo tipo de abalos.
Ironicamente, quem sai perdendo com todo esse fetichismo não são (apenas) os consumidores: são as próprias cervejas. Quando se paga um valor tão alto por uma garrafa, é muito difícil evitar que uma série de expectativas se coloque entre nós e o líquido dentro do nosso copo – expectativa que, às vezes,cerveja nenhuma seria capaz de cumprir. Muitas vezes, o preço é tudo o que as pessoas conseguem degustar ao tomar essas cervejas, em prejuízo de toda a riqueza sensorial que elas podem nos oferecer se estivermos receptivos. É comum ouvir relatos de apreciadores de cervejas que se decepcionaram ao beber uma Deus. Pelo preço que pagaram, “exigiam” que fosse a “melhor cerveja” que já tomaram (de acordo com aquilo que elesachamque deveria ser a “melhor cerveja”), a mais marcante, a mais impactante, demandando dela características que o estilo não pretende oferecer.  Ora, asbièresbrutjamais se propuseram a ser cervejas impactantes e marcantes! Por conta do seu processo de produção, elas primam justamente pela sua delicadeza. Além disso, apesar de sabermos pelo nosso bolso que o dinheirotem uma escala quantitativa absoluta, o prazer oferecido por uma cerveja é sempre relativo. Em outros termos, embora possa perfeitamente existir “a cerveja mais cara” do mundo, não existe nem jamais existirá “a melhor cerveja” do mundo – ainda bem.
As bièresbrut, no fim das contas, acabam vitimadas pela própria faixa de preço em que se encaixam, impedidas de serem corretamente avaliadas de acordo com a sua proposta. O apreciador de cervejas que paga seu preço exige “a melhor cerveja que já bebeu” (o que é uma besteira), e o consumidor mais eclético exige que ela seja umchampagne(coisa que nunca será, pois é uma cerveja). Seus verdadeiros encantos, por isso, muitas vezes continuam secretos. Nas próximas partes deste artigo, explorarei o processo de produção dessas cervejas, falarei sobre sua proposta sensorial e finalizarei com uma comparação dos cinco rótulos disponíveis no mercado nacional: Deus Brutdes Flandres, EisenbahnLust, EisenbahnLust Prestige, MalheurBièreBrut e WälsBrut. Espero poder varrer a grossa camada de fetichismo que recobre essas cervejas para deixá-las falarem por si mesmas, sem o auxílio da etiqueta de preços, e para apreciar seu brilho delicado, próprio e radiante, escondido por baixo de tanto esnobismo.
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Estou ciente de que este era o momento que algumas pessoas estavam aguardando desta matéria sobre as bières brut. Sabemos que essas cervejas não são exatamente baratas, e nem todo mundo pode se dar ao luxo de simplesmente sair provando todas para decidir qual bate mais com o seu paladar. Tendo isso em vista, uma avaliação dos 5 rótulos disponíveis no mercado nacional certamente é útil. Os leitores que estiverem querendo provar uma cerveja do estilo e não sabem por qual começar podem ter alguma luz; e aqueles que já provaram todas podem concordar ou discordar do comparativo, ou quem sabe retornar a este ou aquele rótulo com um novo olhar depois de tudo o que discutimos por aqui. Ainda assim, sinto que tudo o que discutimos até aqui nos ajuda a extrair dessas cervejas uma experiência mais completa e instigante; e espero que os bravos leitores que nos acompanharam até aqui compartilhem essa opinião.
Espere aí, eu disse 5 rótulos? Sim, cinco. Não está faltando algum? Vamos aos esclarecimentos: os rótulos que selecionei para compor o painel comparativo são: Deus Brut des Flandres, Wäls Brut, Malheur Bière Brut, Eisenbahn Lust e Eisenbahn Lust Prestige. Deixei de fora a Malheur Dark Brut, já que o estilo-base a partir do qual ela é produzida (Belgian dark strong ale) lhe dá características que divergem completamente do perfil que delineamos na última parte. Alguns também se indagarão a respeito da Infinium Ale (produzida em parceria da Samuel Adams com a Weihenstephaner); contudo, esta cerveja, apesar de sua “aura” de champagne, não passa pelo método champenoise.
Como ocorreu a degustação? Infelizmente, não tive a oportunidade ($$) de realizar uma degustação simultânea comparativa dos cinco rótulos. Sinto desapontar os mais românticos, mas os historiadores não estão ganhando tão bem, assim. Dessa forma, o comparativo foi feito a partir de minhas notas de degustação das ocasiões em que degustei cada um desses rótulos. Seria extremamente interessante refazer o comparativo com as cinco garrafas na mesa, mas a ocasião deverá esperar até que eu ganhe na mega-sena ou seja adotado por um mecenas generoso – o que ocorrer primeiro.
Mas chega de conversa fiada e vamos a elas!

DeuS Brut des Flandres

deusglass
Aparência: coloração amarela clara, acinzentada, transparente, com espuma abundante que se diminui rapidamente e deixa uma camada perene.
Aromas: excelente harmonia e equilíbrio de aromas frutados, condimentados e florais. Predomina um aroma adocicado de manjericão fresco, acompanhado de frutado expressivo (com remissões de uvas verdes, lima-da-Pérsia, laranja, guaraná, tutti-frutti). Álcoois revelam perfume floral de rosas, sugerido gim e Cointreau. Toques condimentados trazem cravo e algo apimentado (fenólico ou de lúpulo?). Há uma sutil “sensação de lambic” (amêndoas?). Possivelmente a que apresenta maior complexidade aromática.
Paladar: o trio doce-picante-amargo se desenvolve em sequência na boca e mostra bom equilíbrio, com acidez bem presente e um toque salgado considerável. Menos ácida que outras do estilo.
Sensação na boca: corpo leve e incrivelmente limpo, com sensação frisante delicada e “crocante”. Baixa mineralização dá a sensação de “engolir nuvens”.
A cerveja que originou o estilo apresenta alta complexidade de aromas e harmonia modelar entre seus perfis frutado, floral/alcoólico e condimentado. Um toque herbal bem expressivo e bem integrado aos ésteres frutados sugere manjericão e me agrada muito. O lúpulo é pouco expressivo. Com sensação extremamente limpa e leve, deixa um perfume persistente na boca. Tem paladar delicado e feminino, em especial devido ao fato de ser uma das mais adocicadas do estilo. A longa maturação (todo o processo produtivo leva mais de um ano) lhe dá boa complexidade de álcoois aromáticos em harmonia. Para mim, segue sendo um modelo de harmonia, além de uma das mais surpreendentes cervejas que já bebi.
Veja aqui a avaliação completa.

Wäls Brut

Fonte: http://espacovinil.blogspot.com
Fonte: http://espacovinil.blogspot.com
Aparência: dourada radiosa e transparente, com creme menos abundante, mas persistente, e carbonatação visivelmente mais suave.
Aromas: muita complexidade, com predomínio de aromas frutados e florais. O perfil frutado revela a identidade do fermento usado pela cervejaria em notas de mamão papaya, pêras frescas e polpa de maçã, e o perfil floral combina os álcoois superiores (lembrando essência de rosas) ao aroma floral do lúpulo, sugerindo variedades alemãs tradicionais. O malte, limpo, traz uma doçura de mel. Bem ao fundo, o frescor aromático é temperado por uma leve “sensação de lambic” (amêndoas?), e toques sutis de cravo e pimenta.
Paladar: doçura e amargor se equilibram competentemente e se justapõem durante todo o gole. A percepção de acidez é baixa para o estilo (talvez pela baixa carbonatação), diminuindo a refrescância e a vividez mas trazendo boa limpeza. Apesar de a cerveja não levar um licor de expedição adocicado, a cerveja de base deixa boa dose de açúcares residuais, resultando em final seco mas bem equilibrado.
Sensação na boca: muito leve e seco, elegante e delicado, com forte sensação de limpeza que não agride a garganta. Carbonatação menos acentuada que em outras do estilo.
Caçula no estilo, a Wäls Brut apresenta uma proposta muito interessante, com grande complexidade aromática, paladar mais direto (mas consistente e equilibrado) e sensação bem limpa na boca (a baixa carbonatação, considerando-se o estilo, contribui com isso). Mostra-se bastante seca, mas de forma delicada. Lembra bastante o perfil aromático de uma boa Belgian golden strong ale, mas mais complexa, delicada e limpa. Algumas pessoas não gostam de bières brut porque elas não possuem a rusticidade de uma cerveja, mas esta Wäls consegue a proeza de obter aquela sensação diáfana do estilo sem abdicar de algo dessa pegada mais de “cerveja” (amargor, aroma de lúpulo). Um equilíbrio difícil.
Veja aqui a avaliação completa.

Malheur Bière Brut

malheur
Aparência: cor dourada intensa, com opacidade excessiva para o estilo (visível já desde a garrafa e mesmo em temperatura mais alta) e boa espuma.
Aromas: perfil definido de uma Belgian golden strong ale, com frutado predominante, características secundárias de malte e floral e toques condimentados e de envelhecimento. Ésteres remetem a pêras e maçãs, com um toque de tinta fresca, equilibrados por um vívido floral de rosas. O malte é bem presente (mais que em outros rótulos do estilo), com toques de mel e marrom-glacê. Toques apimentados complementam o aroma, bem como uma sutil e interessante sensação de tabaco/tostado, provavelmente oriunda das leveduras em autólise.
Paladar: predomina o amargor seco e persistente, como de uma golden strong ale bem seca, chegando até a raspar um pouco na garganta combinado ao intenso aquecimento alcoólico. A acidez é bem expressiva, e a doçura não chega a equilibrar de forma delicada o conjunto. Produz uma sensação decididamente mais rústica e assertiva.
Sensação na boca: corpo leve e bem seco, com ótima textura acetinada (imagino que fruto da autólise). O aquecimento alcoólico agride um pouco a garganta, e ela não apresenta aquela limpeza ao engolir que é típica do estilo.
Concorrente belga da Deus, a Malheur Bière Brut apresenta características decididamente diferentes dela, apostando em um perfil mais rústico e assertivo, com amargor destacado e sensação alcoólica considerável. A complexidade e o equilíbrio aromático, para mim, mostram-se um pouco inferiores a suas concorrentes. O ponto positivo fica para as características de maturação e envelhecimento, que lhe dão toques bastante interessantes e sugerem um tempo razoável sobre leveduras (o fabricante não indica quanto tempo ela matura). Trata-se de uma bière brut mais viril, masculina, talvez até um pouco grosseira em relação ao estilo, com “pegada” – é uma cerveja que muitas vezes se torna a bière brut preferida daqueles que não gostam do estilo. Não é para meninos. Aproxima-se de uma Belgian golden strong ale, e este talvez seja seu calcanhar-de-Aquiles: apresenta preço pouco atraente para oferecer uma sensação semelhante às strong golden ales, muito mais baratas.
Veja aqui a avaliação completa.

Eisenbahn Lust

lust
Aparência: cor dourada radiosa, com boa transparência inicial, mas turbidez no fundo da garrafa. Espuma volumosa, diminui rapidamente mas deixa uma camadinha perene.
Aromas: inusitada diante do estilo, talvez por conta de ser o rótulo com menor tempo de maturação com as leveduras de espumante. Apresenta intenso perfil lembrando lambics e também espumantes (amêndoas), acompanhado de sólido perfume floral. O frutado traz abacaxi (como na cerveja de base, a Strong Golden Ale da cervejaria), mas é menos expressivo. Percebe-se um leve aroma de lúpulo floral e condimentado. Minha garrafa estava quase no limite da validade, o que pode explicar as características de oxidação remetendo a amêndoas, que mostraram-se bem mais intensas do que o esperado para esta cerveja, que matura por pouco tempo com as leveduras. Possui pouca complexidade para o estilo, mas se destacou pelo perfil inesperado e relativamente intenso lembrando lambics, muito interessante. Pode ter sido uma anomalia da minha amostra?
Paladar: bastante ácido, com uma doçura correta mas não excessiva para equilibrar. Bem atenuada se comparada com a cerveja de base. O amargor aparece suave ao final.
Sensação na boca: corpo leve e delicado, com ótima sensação “crocante” devido à alta carbonatação. Uma suave sensação alcoólica aparece ao final, equilibrada.
Rótulo “de combate” da Eisenbahn, a Lust comum matura por apenas 3 meses e, até por conta disso, apresenta perfil fresco e vívido. Na minha amostra, destacaram-se características lembrando cervejas do tipo lambic (talvez características acentuadas de oxidação com aromas de amêndoas, mas talvez até se possa aventar contaminação por Brettanomyces nesta garrafa), ao lado de forte floral. Forte acidez, a mais alta entre os rótulos degustados, lhe dá vividez e brilho, mas menos elegância e limpidez. No mais, apresentou menor complexidade do que o esperado pelo estilo – a maturação abreviada com leveduras, insuficiente para aprofundar a autólise, pode explicar isso. Apresenta a sensação perfumada, leve e delicada típica do estilo por um preço atraente diante das concorrentes. Desconfio que a forte lembrança de lambic não seja típica do rótulo na intensidade em que a encontrei, de modo que valeria fazer uma nova degustação.
Veja aqui a avaliação completa.

Eisenbahn Lust Prestige

lustprestige
Aparência: dourada média, bem transparente, com perlage evidente e espuma pouco persistente
Aromas: possui perfil aromático maduro e consistente, bem integrado, em que frutados e florais frescos predominam sobre características mais “fechadas” de envelhecimento. Equilibram-se notas expressivas de abacaxis frescos (com tutti-frutti ao fundo) e rosas. Um lúpulo floral e condimentado aparece sutilmente. O envelhecimento estendido contribui com aromas maduros mais destacados do que nos outros rótulos degustados, lembrando amêndoas cruas, toque mineral e amanteigado e uma remissão a mel ou xarope ao fundo. O malte se faz presente lembrando pão doce. Uma presença de compostos sulfúricos (dimetil sulfeto e dimetil trissulfeto, lembrando legumes refogados no alho) lhe tirou um pouco do brilho e pureza.
Paladar: consistente e bem-resolvido, com amargor levemente predominante mas muito bem equilibrado pela acidez precisa e pela doçura. Todas essas sensações se misturam de forma harmônica na boca.
Sensação na boca: corpo leve e seco, com alta sensação frisante.
Uma versão mais madura e consistente da Eisenbahn Lust, com aromas de envelhecimento que se destacam em relação às demais representantes do estilo, equilibrando o vívido frescor frutado-floral e conferindo-lhe muita elegância. Poderia apresentar mais complexidade e mais pureza de aromas – já peguei algumas garrafas com defeitos sulfúricos e de autólise intensos o bastante para prejudicar decisivamente a degustação, o que é complicado numa cerveja nessa faixa de preço. Em relação à versão “normal” da Lust, mostra-se menos ácida e mais seca, com frutado mais fresco e presente. Desaparecem os toques fenólicos animais e de adega que notei na Lust comum, possivelmente retrabalhados pelas leveduras durante a maturação. Um rótulo delicado e sofisticado, muito distante da receita que lhe serve de base.
Veja aqui a avaliação completa.
Na próxima parte desta matéria sobre as bières brut, farei alguns comentários comparativos a respeito dos cinco rótulos degustados, confrontando suas qualidades, perfis e vocações. Não perca!
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alexandremarcussi
* Alexandre Marcussi é sommelier de cervejas pelo SENAC/Doemens Akademie e historiador especializado em História Cultural. Acredita que a cerveja e a cultura se complementam deliciosamente, e põe este princípio em prática em seu blog O Cru e o Maltado.