Degustamos algumas cervejas vencidas (mesmo!) para detectar os defeitos que o tempo traz
Quem me conhece sabe que sou um comprador compulsivo de cervejas. No Brasil ou no exterior, tanto faz: detono o cartão de crédito. Quando viajo, chego a trazer dezenas delas nas malas (meu recorde foi de 43 garrafas), enroladas nas roupas.
O resultado dessa insana fixação é que, não raras vezes, vou deixando pra degustá-las em ocasiões mais propícias, as quais, às vezes, nunca chegam. Minha despensa vai abarrotando de brejas à espera de avaliação, e muitas delas acabam relegadas ao esquecimento ao longo de anos. Piedoso, recuso-me a vertê-las na pia. Maluquice minha…
Há alguns dias, decidi por fim à insanidade. Só que, ao invés de jogar fora as “velhinhas”, decidi prová-las pra entender até onde o tempo as faz ficar ruins ao consumo, considerando que esses rótulos em específico não foram feitos pra resistir ao tempo. Para a experiência, chamei uma craque em análise sensorial: A mestre cervejeira catarinense Amanda Reitenbach. Em nome da ciência, degustamos alguns rótulos “matusaléns”. Eis o que consideramos.
Wäls Pilsen (vencida em 2010)
Definitivamente, cervejas delicadas como as Pilsen não foram feitas pra ficar guardadas, mesmo uma das melhores do Brasil como a Wäls. Na aparência, apresentou turbidez a frio. Já no aroma a coisa degringolou: O forte odor de papel denunciou sua oxidação (processo que degrada a cerveja por exposição ao oxigênio), além de um cheirinho esterificado de maçã vermelha madura que, definitivamente, não deveria estar ali. A carbonatação estava baixa, mas o amargor ainda era evidente.
Moinette Blonde (vencida em 2009)
As bolhas, poucas e grandes, já denunciavam a perda de carbonatação dessa Tripel belga. No aroma, uma pegada sulfídrica que lembrava ovo, além do papelão de oxidação. Ainda apresentava, porém, algumas agradáveis percepções de baunilha e frutas secas. Na boca, fez destacar alcoóis superiores, tornando-a agressiva.
Het Kapittel Watou Blond (vencida em 2007)
Odores e sabores metalizados, advindos da oxidação, detoraram essa bela breja belga. Ainda houve percepções excessivamente fenólicas lembrando frutas passadas. O residual é doce, mas a cerveja ficou “vazia”, perdendo seus atributos.
Cuvée des Trolls (vencida em 2007)
Mais uma boa cerveja “passada” pelo tempo. Quase sem carbonatação, no aroma trouxe muita maçã vermelha e incômodos traços de papelão. No sabor, potencializou a percepção de alcoóis superiores,
Eisenbahn Joinville Porter (vencida em 2008)
O tempo “apagou” essa belíssima breja nacional, relegando-a com bem poucos aromas e sabores de café e chocolate que a caracterizavam. Na boca, perdeu corpo e ganhou uma incômoda acidez.
Trappistes Rochefort 6 (vencida em 2007)
Trouxe essa trapista da Bélgica antes do rótulo ser importado pra cá (a etiquetinha com a inscrição “2.50” denuncia quanto paguei por ela, em euros). Foi a que melhor se saiu no teste por ser uma Belgian Dubbel mais estruturada que as anteriores, apresentando ainda agradáveis aromas de ameixas secas, toffee e espuma bem formada. Todavia, na análise mais atenta, os defeitos dos anos começaram a surgir: A breja perdeu corpo, ganhou acidez e tornou-se “apagada”, despojada das soberbas notas aromáticas que a compunham.
A conclusão
Comprou uma cerveja bacana e quer degustá-la? Não demore! A esmagadora maioria das brejas não foi feita pra guardar, já que perdem qualidades e ganham defeitos ao longo do tempo.
Só ouse guardar (se conseguir!) aquelas cervejas de estilos mais robustos como Barley Wine, Old Ale, algumas Belgian Dark Strong Ale e alguns outros. Essas brejas, geralmente mais alcoólicas, robustas e muito mais estruturadas, reagem bem com o oxigênio da garrafa e ganham em complexidade à medida que o tempo vai passando. Basta guardá-las em pé (nunca deitadas!) em local fresco, com temperatura constante (uma adega, por exemplo) e ao abrigo da luz. Várias dessas cervejas ostentam o ano de safra (como a belga Gouden Carolus Cuvée van de Kaiser Blauw, por exemplo), e outras, segundo o fabricante, ficam melhores se forem consumidas após 25 anos de guarda, caso da inglesa Thomas Hardy´s Ale.
Na sua próxima compra, atente para o prazo de validade da breja. Na imensa maioria dos casos, quanto mais elástico esse prazo, melhor vai estar a sua cerveja.
Leave a Reply
You must be logged in to post a comment.