Não sou daquele que fala sem dar nome a bois. Por isso, nomeio o muar da vez: Renato Machado, especialista em vinhos da rádio CBN.
Em programa veiculado ontem, 29/4, ao ser perguntado por um ouvinte sobre harmonizações de cervejas e vinhos, Renato dá um verdadeiro show de ignorância no assunto. Entre outras baboseiras, o colunista afirma, in verbis, que as harmonizações de alimentos com cervejas só podem ser feitas com “cervejas artesanais belgas ou (sic) flamengas”, e que “até existem harmonizações ´curiosas´ entre cervejas e pratos”.
Lá pelo meio da desastrosa fala, Machado lança a pérola: “Vou dizer uma coisa pra você. Nada supera a harmonização de um vinho com uma comida. (…) Esse é o casamento primordial, principal. (…) O casamento das cervejas, só para essas cervejas artesanais, feitas a mão (…)”.
Se não bastasse (e poderia bastar, Renato!), o jornalista dá as estocadas derradeiras: Afirma que não toma mais cervejas porque “elas têm grande quantidade de açúcar (…) e o risco de engordar é muito grande. É esse o problema“.
Duvida? O link para a audição do programa está AQUI.
Aos apreciadores iniciados em cervejas leitores deste espaço, recomendo calma. Vá até a cozinha, beba um copo d´água, respire, conte até dez (mil) e retorne à leitura. Aos neófitos, ou ao leitor que acha que o apreciador de cervejas não pode também apreciar vinhos e vice-versa, cabem algumas considerações.
Em primeiro lugar, não há dúvida que Renato machado é um absoluto ignorante no assunto cervejas, sejam elas “artesanais da Bélgica”, especiais, industriais ou quetais. Em que pese ter afirmado que as “tomava mas não toma mais”, forçando uma intimidade com a bebida que evidentemente jamais teve, resta ao leitor desavisado a impressão geral de que a cerveja é uma bebida infinitamente inferior ao vinho, a ser espezinhada no exato tom da fala do colunista. Em certos trechos da explanação, ainda, o clima é de quase deboche, a diminuir a pergunta do ouvinte, a cerveja, e o próprio ouvinte, como se a inquirir, indignado, “que espécie de pergunta é essa?”.
Portanto, retorno a atenção ao leitor desavisado. A você, cabe uma constatação, que faço questão de grafar em caixa-alta: NÃO EXISTE “GUERRA” ENTRE O VINHO E A CERVEJA”! Ambas são bebidas fermentadas que tiveram igual destaque na história do desenvolvimento da cultura humana. Nasceram provavelmente juntas antes mesmo do raiar das civilizações. Cada qual com suas vicissitudes, possuem ambas complexidades e nobrezas de acordo com seus estilos e seus meios de fabricação. Ocupam lugar de honra nas mesas mais refinadas. E, principalmente, prestam-se igualmente às harmonizações com comida.
Renato Machado, antes de falar “de orelhada” sobre o que não conhece, poderia se informar melhor sobre as crescentes degustações de cervejas na Associação Brasileira de Sommeliers, nas quais eu mesmo sou amiúde o palestrante, e que têm público crescente, cada vez mais interessado nas centenas de estilos das cervejas (não apenas as “artesanais da Bélgica” ou “de abadia”). Poderia, também, conhecer — sem ter de viajar, olhe só! — as centenas de rótulos disponibilizados no Brasil pelas importadoras, de todos os cantos do mundo, todos lá, implorando descobrir-se-lhes as imensas possibilidades harmonizatórias. Poderia, ainda, dar-se conta da explosão das cervejarias artesanais no país, fazendo cervejas muitas vezes até mesmo superiores às “artesanais da Bélgica”. Ou até mesmo, bastando um clique, poderia fuçar no Guia de Harmonizações do BREJAS e surpreender-se com as imensas possibilidades de casamento que nega haver entre cervejas e pratos.
Todavia, com a sua lógica tapir, estabeleceu um vale que não existe — ou não deve existir. Inflamou uma disputa irracional, inútil e contraproducente, como se as duas bebidas não se complementassem, mas fossem antagônicas. Com ironia, passou a mensagem que as cervejas não possuem a complexidade do vinho, e não se prestam a nada a não ser encher a cara (exceto, claro, as “artesanais da Bélgica, feitas a mão”). Estimulou um montão de gente a permanecer em sua companhia na ignorância e na obscurantista noção, com cargas industriais de pedância, de que o vinho é “classe”, e cerveja… Bem, cerveja é cerveja, aquela bebida rasteira “industrial que se faz aos milhões pelo mundo afora”, segundo suas próprias letras.
Desserviço à cultura gastronômica? Por certo! Por mais desinformado no assunto cervejeiro que seja o colunista, Machado dirige-se a milhões de ouvintes, que agora juntam-se a ele na ignorância, na dicotomia asna, na “orelhada” de quem não tem domínio sobre o assunto e fala sobre ele mesmo assim. Quando o assunto é cerveja, Machado, calado, é um poeta.
E não, não vou comentar sobre quantidades calóricas entre as bebidas e o “risco de engordar” que ambas suscitam. Renato que pesquise na internet. Aí já é demais…
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