por Daniel Ramiro*
Vocês sabem como “inventaram” a cerveja? Pois bem, acima de tudo, foi inventada ou descoberta? Sempre que nos deparamos com essa história da cerveja encontramos a ideia de um acaso operando para a obtenção do líquido do qual tanto gostamos.
Antes, quero retomar algumas divisões de períodos para compreender o problema: até 4000 a.C. (marco classicamente estabelecido para a invenção da escrita) temos a Pré-História; a partir daí, começou-se, então, a História. O primeiro período é a Antiguidade, a qual se encerrou com a tomada de Roma pelos hérulos em 476 d.C. Porém, esse período possui alguns entroncamentos historiográficos. A saber, certa carência de documentação aliada a dificuldades nas traduções. É a partir do ano 2000 a.C., mais ou menos, que as documentações tornam o ofício do historiador menos obscuro.
Agora, imaginem a dificuldade de pesquisa para o período anterior, a Pré-história. Sim, pois a cerveja certamente surgiu neste período, em algum momento posterior à Revolução Agrícola (pontuada classicamente em 10.000 a.C. para o Oriente Próximo).
Maresia aos olhos
Tradicionalmente, vemos a reprodução de uma conjectura que desenha o cenário com uma tina cheia com a produção de cevada esquecida ao relento, com consequente chuva. A partir de então, teve início a maltagem, ou seja, a germinação dos grãos, podendo até mesmo, nesse ínterim, a fermentação ocorrer. Porém, não parou por aí, pois um seguido esquecimento fez com que uma nova chuva encharcasse a parte da produção já maltada e em vias de se concluir a fermentação. Jogar fora essa tina? Alguém decidiu provar antes. “Nossa… maresia aos olhos” pôde tê-lo pensado.
Na verdade, essa conjectura faz voz a muitas outras do período, como a própria descoberta da agricultura, o surgimento do vidro ou até mesmo a fundição dos metais. E se um minério de cobre fosse misturado, ainda que acidentalmente, a uma lareira? Nada aconteceria. A essa conclusão chegaram a partir de múltiplas e variadas experiências. Na verdade, o procedimento mais simples a que se chegou para obter metal fundido constou do aquecimento intenso de uma malaquita finamente pulverizada em uma taça de cerâmica coberta por um vaso virado. Teriam, os pré-históricos hominídeos, chegado a isso ao acaso?
Conhecimento vem de múltiplas experiências
Hoje em dia, ninguém mais explica tal situação por uma sequência de achados ao acaso ou por uma revelação mansamente registrada a partir de determinados fenômenos naturais. Cada técnica dessas supõe muito tempo de observações ativa e metódica – digo “muito tempo” contado em séculos! –, hipóteses arriscadas, ousadas e controladas, a fim de refutá-las ou confirmá-las através de experiências repetidas a exaustão.
Por outro lado, não atribuo aqui o ímpeto científico, exclusivamente, às nossas descobertas. É claro que acaso e intenção caminham lado a lado. Porém, creio que o acaso funcione mais como um toque de direcionamento do que algo substancial no surgimento das novas. Mas claro, isso em linhas gerais, pois a humanidade é muito diversa e suas experiências são múltiplas. Todos os elementos que concorrem à produção de nossa vida material nos escapam em alguma medida, pois nossas limitações são incomensuráveis.
*Daniel Ramiro é antropólogo, sommelier de cervejas (Doemens/Senac) e professor de História. O artigo acima teve como fonte o blog da Confraria St. George, da qual faz parte
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