Logo após aberta a garrafa, o aroma herbal se espalha pelo ambiente. Colocando-a delicadamente no copo, percebe-se a sua textura: um caldo âmbar opaco, grosso. O creme é castanho, denso e razoavelmente persistente. Leva-se a breja ao nariz e recebe-se um soco de lúpulo cascade puro. Está-se diante de mais uma “cerveja extrema” da nova escola cervejeira americana. A Dogfish Head 120 Minute IPA é uma das brejas mais lupuladas do mundo, contendo nada menos do que 120 IBU, no limite máximo da escala. Ganha das suas “irmãs” menos lupuladas, as Dogfish Head 60 e 90 Minutes IPA, sobre as quais falarei noutro post.
A cerveja é assim chamada porque, em sua fabricação, o mosto é fervido juntamente com o lúpulo por 2 horas contínuas — vem daí 0 “120 Minutes”. Se o leitor pensa que a lupulagem acabou, engana-se. Após resfriada, passa pelo processo de dry-hopping (exposição da breja ao lúpulo) durante a fermentação por 30 dias. Após, fica mais 30 maturando em contato contínuo com folhas de lúpulo. O produto final alcança inacreditáveis 45 graus plato, que corresponde à sua porcentagem de sacarose. Noves-fora, a breja não é potente apenas no lúpulo: possui 20% de teor alcoólico.
No sabor, a 120 Minute deixa transparecer o álcool o qual se insere satisfatoriamente no conjunto. Tem-se, por fim, um equilíbrio de alcoólico-herbal simplesmente delicioso, favorecendo a drinkability. De quebra, sensações florais intensas, madeira, ameixas, malte, cítrico, e um discreto toque de frutas vermelhas. Deixa um final ao mesmo tempo “quente” e refrescante. Impossível ficar indiferente a ela.
Não é de hoje que a prática de elaborar as chamadas “cervejas extremas” é corrente entre os cervejeiros artesanais americanos, a ponto de parecer haver entre eles uma certa competição nesse sentido. Lembre-se o leitor que já falei aqui sobre a Samuel Adams Utopias, a breja mais alcoólica do mundo. Mas a questão que proponho é: Precisava ser assim tão “radical”?
Certa vez, batendo papo com a beer sommelier Kathia Zanatta justamente sobre a nova escola americana, ela comentou que, a partir de um certo índice IBU — cerca de 80 ou, vá lá, 90 — a percepção do paladar humano não consegue mais dimensionar o amargor de uma breja. Ou seja, não importa que se coloque mais lúpulo na receita: o degustador vai sentir, em 120, o mesmo amargor que sentiria em 90 IBU.
A mim, parece tanto coisa de americano — que é chegadinho a um certo exagero — quanto manobra marqueteira da cervejaria, que apresenta a 120 Minute, em seu site, como “o cálice sagrado dos lupulomaníacos”. Não precisava. A breja é ótima o bastante pra impressionar sem frases de efeito. Ou lúpulo em excesso.
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