Segunda e última parte da entrevista de Mauricio Beltramelli, editor do BREJAS, pela jornalista Maraísa Oliveira, originalmente publicada no site Quero Comer (leia aqui a primeira parte)
“Degustar é prestar atenção naquilo que se consome”
Qual a melhor forma de se degustar uma cerveja especial?
Degustar nada mais é que prestar atenção naquilo que se está consumindo. Vai desde a escolha do rótulo e refrigeração até a coloração, espuma, aromas. O ritual é parecido com o do vinho, com a diferença da espuma. Então, comece escolhendo o copo adequado, cada uma tem o seu. Depois, não incline muito o copo, derrame a cerveja sem medo de fazer espuma, afinal ela protege o líquido da oxidação e do aumento de temperatura, evitando que produza sensações desagradáveis. Na sequência, gire o copo, assim como você faz com o vinho, para que desprenda os aromas. Muitos brasileiros acham frescura cheirar cerveja, mais isso é muito importante. Às vezes, você gosta muito de uma cerveja e descobre que os aromas não lhe agradam. No mais, beba com atenção, apreciando cada nota.
Que conselho você daria para os iniciantes nessa bebida?
Para quem está acostumado e gosta de cerveja Pilsen, o melhor é começar pelas de trigo. Elas se prestam bem para essa função, também podem ser servidas em temperaturas mais baixas e não vão assustar, pois não são muito diferentes. O visual é parecido e também refrescam, mas com aromas distintos.
Como alguém absolutamente leigo pode avaliar a qualidade de uma cerveja?
Falar de qualidade, nesse caso, é muito complicado. Quando uma pessoa não tem treino, o que vale é sua própria referência, a cerveja que ela gosta mais. Experimente, cada um é soberano dos seus gostos. Sugiro que, ao comprar, se tiver quatro cervejas do mesmo estilo na prateleira, compre todas e veja a que lhe agrada mais. Se comparado com o vinho, a cerveja é um luxo barato. Leia muito e prove o máximo possível. Eu, por exemplo, viajo sempre em busca da melhor cerveja do mundo, como sei que não existe, o bacana é continuar procurando.
Cerveja sem álcool vale a pena?
Elas estão aí para serem consumidas. Se eu não pudesse beber mais álcool, eu as beberia. A tecnologia está avançando e alguns rótulos estão se aproximando muito dos sabores das alcoólicas. A melhor que já experimentei foi a alemã Erdinger Sport, para quem não é treinado, passa batido e nem percebe. Uma vez, entrou no meu bar um notório bêbado, que sempre arruma confusão quando bebe. Mandei meus garçons servirem somente dessa cerveja para ele, que por sua vez bebeu muito e não percebeu que era sem álcool. Ele já estava até fingindo embriaguez (risos). E o melhor, como ele adorou, não se sentiu traído. Essa é uma prova do quanto a tecnologia está evoluindo nesse segmento.
É comum ouvirmos pão líquido como sinônimo de cerveja. Essa expressão, no entanto, tem sua origem na época em que todas elas eram produzidas artesanalmente. Será que a cerveja ainda pode ser chamada assim?
Sem dúvida, desde o início da humanidade a cerveja veio para alimentar o povo, para suprir a fome que assolava todo mundo. A função dela sempre foi alimentar e ela ainda possui as mesmas características nutricionais de antes. Só que hoje a oferta de alimentos fez com que ela fosse explorada apenas como bebida. As pessoas preferem que o pão desempenhe essa tarefa.
Depois da cachaça, a cerveja é a bebida alcoólica mais consumida no Brasil e todo mundo acredita entender um pouco sobre o assunto. O que os brasileiros deveriam saber sobre cerveja?
Principalmente, que existem 120 tipos dela, um mais diferente que o outro. Muitos acham que, por exemplo, Skol e Brahma são diferentes, mas são iguais, muda somente o fabricante.
E o que os brasileiros pensam que sabem sobre cerveja, mas é mito?
Um dos grandes mitos aqui é a água. No Brasil, convencionou-se dizer que a cerveja de um determinado lugar é mais gostosa porque a água captada naquele local é melhor. Isso existia no século 17. Hoje, com a química moderna, mesmo uma água não potável pode ser alterada e produzir uma bebida de qualidade. A água representa 90% da bebida, mas sua captação não tem esse poder.
Como avalia a qualidade da produção das microcervejarias no Brasil se comparada ao restante do mundo?
O Brasil está começando agora, embora sua evolução esteja sendo muito rápida, melhorando a cada dia. Ao redor do mundo, as cervejarias são melhores. Detêm qualidade elevada, pois fazem cerveja há muito mais tempo que a gente. Sem contar que alguns países têm mais facilidade, sem precisar gastar muito, enquanto nós importamos boa parte da matéria-prima.
Nossa cervejas têm condições de competir com as importadas? Poderia citar exemplos de bom custo benefício para os produtos nacionais?
Com certeza. Nossa cerveja tem ganhado prêmios lá fora. A Eisenbahn, de Blumenau (SC), por exemplo, conquista uma ou outra medalha em quase todos os concursos. Já o custo-benefício depende da variedade, é o consumidor quem avalia. As nacionais são mais baratas em função da variação cambial e saem por uma média de R$ 8, enquanto as importadas custam em torno de R$ 12 e R$ 15.
O que falta para essas microcervajarias competirem em pé de igualdade com as grandes empresas?
Principalmente, a redução dos impostos. As microcervejarias pagam os mesmos tributos que as de grande porte. É uma concorrência muito injusta, que inviabiliza um preço mais competitivo. Se os encargos diminuíssem, elas investiriam mais e a produção também seria maior. Tudo no Brasil é mais caro. Mas ainda assim, a última pesquisa do Instituto Nielsen revelou que o mercado de cervejas especiais no Brasil está crescendo 17% ao ano, enquanto as fabricadas em larga escala crescem entre 2% e 3%.
Harmonizar comida com cerveja e tão complexo quanto com vinho?
É mais fácil fazer uma harmonização com cervejas que com vinhos, e muitas vezes até com mais vantagens. Um exemplo são as sobremesas. Combiná-las com vinhos é mais complicado. Já as cervejas com malte mais tostado, notas de frutas e café vão perfeitamente com doces. Sem contar os churrascos que casam bem com maltes defumados. A grande variedade de cervejas consegue abrir um amplo leque de harmonizações.
Há uma certa rixa entre os apreciadores de cervejas e os de vinhos. Você poderia estabelecer uma comparação entre as duas bebidas?
Não há motivos para rivalidades. Suas histórias têm a mesma nobreza. São bebidas que se complementam. Ambas são fermentadas, foram descobertas mais ou menos na mesma época e suas culturas se desenvolveram de acordo com suas divisões geográficas, questões de solos e climas mais propensos para uma ou outra. Mas as duas foram fundamentais no desenvolvimento das civilizações, elas alimentaram ao mesmo tempo a humanidade.
Qual sua cerveja preferida e por quê?
Para mim não existe uma única preferida. Existem 120 preferidas, uma para cada estilo, o que me faz muito feliz, porque se eu enjoar de uma posso ir para outra tranquilamente. Por exemplo, do estilo Belgian Dark Strong Ale, minha favorita é a trapista Westvleteren. Em segundo lugar, fica a Pilsner Urquell. Sem deixar o Brasil de fora, daqui a minha predileta é a Colorado Indica, que é uma tipo India Pale Ale (IPA).
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