Uma cerveja pra chamar de sua

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Imagine-se o leitor em visita àquele restaurante que há tempos queria estar. Após acomodar-se, chega o maître, pimpão, a lhe oferecer o menu. Ao abrir a carta, vem a surpresa: só há… arroz! Páginas a fio, arroz, e nada mais. Ante a pergunta a respeito da monotonia de opções, o maître não entende a estupefação. Afinal, todo mundo está acostumado há anos a só pedir… arroz, ora!

A cena, embora surreal, se transportada para o mundo das cervejas, transmuta-se em realidade, pelo menos deste lado do Equador. Há décadas o brasileiro está habituado a aceitar passivamente que apenas uma variedade de cerveja é possível: a Pilsen, aquela “loira gelada” do boteco, a ser bebida despreocupadamente e com imensas doses de desatenção. Pra uns e outros, nem mesmo importa a marca, é “tudo igual” mesmo… É a “cerveja arroz”.

A ótima notícia é que esse árido cenário vem mudando a galope. A cada minuto, mais e mais brasileiros se dão conta que existem nada menos que, respire, 120 estilos diferentes no panteão da variedade de cervejas. Desde a Idade Média, faz-se na Europa brejas com os mais diversos e inimagináveis ingredientes além do malte de cevada. Há cervejas com café, mel, cereja, framboesa, limão, abóbora, mandioca, gengibre, chocolate. Os métodos de fabricação mais diferentões incluem maturação em barris de carvalho, fermentações espontâneas com leveduras selvagens ou até mesmo remuages e degorgèes próprios da elaboração dos grandes vinhos. Até mesmo a velha classificação “cerveja clara” ou “cerveja escura” já há muito caiu em franca decadência, eis a imensa variedade de coloração dos diferentes estilos do líquido. Assim, a velha “loira” pode hoje também ser ruiva, vermelha, ocre, rósea, branca como leite ou até mesmo verde como a relva, com milhões de aromas, sabores e texturas diferentes. Vive la différence!

A exemplo do que ocorreu com o vinho há alguns anos, o despertar do brasileiro acerca das cervejas ditas “especiais” vem crescendo exponencialmente a reboque das importações cada vez mais numerosas. Hoje, por aqui, estima-se que já existam cerca de 700 rótulos importados disponíveis, e o número vem crescendo a cada mês. Está em cena, ainda, uma silenciosa explosão de microcervejarias artesanais em solo nacional, elaborando cervejas nobres, muitas das quais em nada são devedoras às melhores europeias. Ora, direis, e os preços? A regra geral, que vale pra tudo – incluindo a cerveja – é que melhor qualidade implica em maior preço. Todavia, basta ter um pouco mais de discernimento pra descobrir ótimas cervejas por valores surpreendentemente baixos, beirando mesmo os preços das brejas “premium” industriais. Com o perdão do clichê, há cervejas para todos os bolsos.

Essa verdadeira revolução de costumes gastronômicos já se faz sentir nas gôndolas dos supermercados, empórios e bares e restaurantes mais antenados. Se há oferta, deduz-se que há procura. E a demanda crescente por esses produtos diferenciados traduz-se em números que impressionam. No Brasil, de acordo com os dados da Nielsen, o mercado de cervejas especiais cresceu 115% em 2009, atingindo R$ 1,4 bilhão em vendas, enquanto que a procura pelas cervejas “comuns” subiu apenas 23%.

Cada tipo de cerveja tem o seu momento adequado – mesmo a velha Pilsen do boteco. A propaganda das grandes cervejarias ainda vai continuar abastecendo as mentes nacionais com a idéia marginalizada da cerveja pra ser consumida em grandes quantidades e ao ponto do congelamento. Entretanto, a silenciosa porém contínua mudança de hábitos de consumo dos brasileiros está aí, e não adianta ignorá-la. Cada vez mais pessoas se dão conta da miríade de opções existentes de sabores das cervejas, e a curiosidade move o mercado. Pela primeira vez, não há apenas arroz no cardápio!

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Mauricio Beltramelli é Mestre em Estilos de Cerveja e Avaliação formado pelo Siebel Institute de Chicago (EUA) e editor do BREJAS, hoje o maior portal sobre cervejas na Internet brasileira.


Comments

5 responses to “Uma cerveja pra chamar de sua”

  1. Thiago Lemos Avatar
    Thiago Lemos

    Artigo perfeito.

    temos que fomentar e aumentar dia a dia o consumo de brejas de verdade e um dia iremos ter variedade ao nosso alcance e poderemos expandir este prazer com nossos amigos, sem ter que se deslocar vários km atrás de um empório ou bar especializado em brejas.

  2. Realmente, o início é perfeito. É sentar no bar e pedir “um chope”! Como se fosse tudo igual. Uma pena que durante tanto tempo nos acomodamos em aceitar tudo o que o marketing das grandes empresas nos enfia goela abaixo.

    E continuo na torcida para que a mesa vire e que o mercado de cervejas “especiais” continue puxando o crescimento do setor no Brasil.

  3. Solidônio Avatar
    Solidônio

    Muito boa a abordagem, e realmente é o que acontece hoje em dia e vem mudando aos poucos. A popularização da cultura cervejeira tende a crescer cada vez mais. E só temos a ganhar. Parabéns pelo post!

  4. Elioenai Avatar
    Elioenai

    Excelente artigo!
    Espero ainda que com aumento da demanda se torne mais barato degustar essas preciosas!
    Que whisky que nada, quero mesmo é minha cervejinha!

  5. Adriana Nagaia Avatar
    Adriana Nagaia

    Foi muito bom ter lido esse post hoje para ver se diminui minha revolta.
    Pois o pior é catequizar o empresário que depois de ficar falando 40min sobre cervejas artesanais o tal “empresário” decidiu que vai vender Budweiser.
    Pois a propaganda já esta estampada nos pontos de ônibus do Rio de Janeiro, e assim ele disse, é mas fácil de vender.
    Eles não trocam nem a variedade do arroz parboilizado.
    Que M…..

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