O brasileiro finalmente começou a ter acesso às cervejas artesanais nacionais envasadas em latas. Se por um lado isto é motivo de celebração, por outro, não deixa de ser de atenção. Pois o preconceito contra este tipo de envase ainda é forte por parte do consumidor (e mesmo no próprio meio cervejeiro) dentro e fora do país.
É sabido que a antiga tecnologia usada no manejo das latas de alumínio (principalmente no seu revestimento interno por meio de compostos plásticos com base em solventes – hoje é a base de água) e a sua larga utilização pelas grandes cervejarias de massa, acabaram que maculando o produto final. Uma vez que a correlação entre cerveja ruim e lata é algo feito praticamente que de forma natural pelos mais vividos. Esses por sua vez replicam adiante esta visão equivocada para os mais novos.
Felizmente este panorama vem mudando. Há pouco mais de dez anos começou uma ofensiva nos EUA liderada pela cervejaria Oskar Blues neste sentido. Em 2002 ela resolveu envasar em lata a sua clássica Pale Ale, a Dales’s Pale Ale. Foi a primeira cervejaria artesanal nos EUA a utilizar uma linha própria de envase em lata. Depois disso estendeu sua decisão para os demais estilos de sua linha. Veja como era a primeira lata da Dale’s Pale Ale:
Como veremos mais adiante, a conservação do frescor e de outras qualidades sensoriais da cerveja é uma das grandes razões de se utilizar latas. Principalmente se a cerveja não for filtrada e muito menos pasteurizada.
Segundo a CraftCans (entidade americana que promove o uso de latas pelas artesanais), atualmente há por volta de 550 cervejarias nos EUA (de um total de pouco mais de 4000) que evasam em lata um ou mais rótulos de seu portfólio. Há dez anos eram apenas 20. Ou seja, um crescimento vertiginoso. Mesmo assim a fatia de venda de cervejas em lata no mercado por lá ainda é considerada pequena – algo abaixo dos 20%.
Contudo este número tende a crescer (não apenas nos EUA), pois tomando como base os pontos abordados a seguir, o envase em latas certamente vai se tornar algo natural para vários estilos de cerveja.
Melhor vedação
Que tal você pagar caro naquela tão desejada garrafa de IPA e ser premiado com uma bela oxidação? Nada bom não é mesmo? Com a lata este risco é praticamente extinto (assumindo que tudo tenha se saído bem durante a produção). Pois a entrada de oxigênio (responsável pela oxidação) é nula. Ou seja, uma IPA bem feita e evasada em lata, terá suas características originais conservadas por muito mais tempo (principalmente se for mantida refrigerada. Algo que no Brasil ainda não é encarado como obrigação, mas que deveria ser).
Bloqueio total de luz
Sabe aquele aroma de “gambá” que a nossa querida Heineken (e outras) às vezes apresentam? É o famoso lightstruck. Off flavor causado pela incidência dos raios UV sobre a cerveja. É bom lembrar que as garrafas marrons e verdes contam com proteção contra a luz, porém não obtém o mesmo resultado propiciado pela lata, onde o bloqueio é de 100%.
Sustentabilidade
Neste ponto, entendo que o uso de garrafas também pode ser uma prática sustentável. Mas pra isso todo o seu ciclo de vida precisa ser revisto. Deveria haver o compromisso de tornar as long necks retornáveis – semelhante ao que é feito há muito tempo com as clássicas garrafas de 600ml. Mas não vejo muitas iniciativas neste sentido. Já com o alumínio, a questão do descarte é drasticamente amenizada, uma vez que ele é um dos queridinhos da reciclagem. Certamente aquela lata descartada por você em algum cesto de lixo, estará de volta ao mercado em poucos meses.
Criatividade nas alturas
Chega de rótulos engessados e que não transmitem nada de especial. É impressionante a quantidade de latas cheias de personalidade (e claro, de ótimas brejas) que vem surgindo nos últimos anos. Principalmente nos EUA onde grande parte das melhores IPA do mundo são envasadas em lata. Além disso há também o fato de que a lata conta com mais espaço a ser ocupado pelo rótulo e assim a cervejaria poderá incluir informações adicionais que julgar pertinentes.
Vejam alguns exemplos de latas que contam com um belo design e que infelizmente demandam umas boas horas de fila para consegui-las:
Abaixo temos outro punhado de exemplares que fazem parte da minha coleção pessoal.
Não. A lata não explode
Se você leu recentemente algo por aí neste sentido, esqueça! Aquela lata de IPA que você ficou com pé atrás de comprar, não vai explodir na sua cara “do nada”. A única explosão que certamente você sentirá (se a breja for boa) será a de aroma e sabor. Agora, o que anda explodindo por aí são cervejas em garrafas. Mesmo as mais hypadas. Olha só o que aconteceu com uma rara garrafa de Three Floyds Dark Lord Marshmallow Handjee 2016.
Ressalto que este post não foi escrito para fomentar uma disputa entre latas e garrafas, pois há estilos ideais para cada um dos envases. Apenas reforço que cervejarias que produzem estilos que primam pelo frescor deveriam indiscutivelmente abraçar a lata como parceira estratégica (as que tiverem condições financeiras para tal, pois infelizmente no Brasil o envase em lata ainda é uma tecnologia bem cara para o pequeno produtor). Observo ainda que a grande maioria das melhores Pale Ale, IPA e DIPA que já tomei são envasadas em latas. Coincidência?
Para concluir: e quanto à aceitação plena das latas pelos consumidores? Bem, realmente espero que isto seja apenas uma questão meramente de tempo. Concordam?
FiL CruX
Beer Sommelier ávido por cervejas *A+* . É também um apreciador de música extrema e colecionador de miniatura de carros da PSA.
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