Na mesa do bar, o garçom se materializa carregando a bandeja. Nela, como numa oferenda, descortina-se a breja, sua taça ainda vazia e outro objeto que parece deslocado no contexto da ação: uma vela. Sem dizer palavra e ante os olhos atentos dos clientes da mesa, ele pousa a bandeja, acende a pequena vela, deixa cair duas gotas de cera branca e fixa-a no metal. Com pompa e circunstância, saca a cerveja e inclina a pequena garrafa para então deixar sua tampa em contato com a chama. Ninguém desvia a atenção da cena quando gotas de cera vermelhas como sangue começam a se liquefazer e cair, rompendo o lacre da breja e descortinando sua tampinha contendo um símbolo alquímico.
É até possível abrir essa breja dispensando o ritual, simplesmente sacando o abridor e rompendo o lacre de cera, a frio. Mas, afinal, qual seria a graça?
Recém lançada pela Cervejaria Backer, artesanal mineira, a Medieval é uma breja no estilo belgian blond ale com a assinatura do festejado mestre-cervejeiro Paulo Schiaveto, que com a produção confirma-se como um craque na arte de fazer cerveja. Sua coloração é dourada translúcida, e o creme é denso e razoavelmente consistente e persistente, deixando marcas perenes nas laterais da taça.
O aroma muito frutado volatiza deliciosas notas de cravo, cascas de laranja, tutti-frutti, fermento, malte adocicado, grama, além de um discreto floral lupulado. No sabor, o doce do malte aparece mais evidente, incluindo também sensações frutadas, picantes e levemente cítricas. A carbonatação é na medida certa e o final é longo e doce, deixando ainda, no retrogosto, uma sensação levemente alcoólica que não se percebe na degustação propriamente dita.
E o ritual do rompimento do lacre de cera, o que influi na cerveja? No aroma e no sabor, coisa alguma. Mas é um prodígio de marketing quando é feito no bar lotado. Nas mesas contíguas à cena, as conversas são interrompidas e todos pregam os olhos na breja sendo aberta. Macumba, despacho? Não, é uma cerveja especial sendo servida. Tiro e queda: a freguesia desata a pedir a Medieval, só pra presenciar a cerimônia. E, claro, surpreender-se com os novos sabores da breja. Pra quem até então só estava engolindo cervejas “macro” quase congeladas, é um beer evangelismo e tanto.
Já para os degustadores familiarizados com as cervejas especiais e até mesmo para os colecionadores (são diversos modelos de tampinhas ilustradas com símbolos planetários medievais), a pantomima nem é necessária: A Backer Medieval é uma senhora breja.
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