Em algum lugar de Porto Alegre (RS).
Nalguma esquina da capital gaúcha, numa noite fria e chuvosa, fui conduzido com pompa e circunstância ao Bierkeller, só conhecido — pelo menos por enquanto — por um seleto grupo de amantes de cervejas especiais. Quem me ciceroneava era o nobre blogueiro Patrick Stephanou, do Telecerveja.
Havia viajado principalmente para participar do projeto Extra-Malte, do burgomestre Sady Homrich, mas o Bierkeller sempre foi minha condição sine qua non em estando em terras gaudérias. Precisava conhecer aquele não-bar, que na verdade é um clube no qual só se entra a convite do proprietário, Vittorio Lewandowski. Mas nada me preparou para as surpresas e estarrecimentos que estariam por vir.
“Não pode divulgar o endereço”, já me admoestava meu amigo Patrick, antes mesmo de chegarmos ao lugar. Aquiesci, solene, enquanto o carro estacionava numa esquina qualquer de Porto Alegre, na qual eu jamais saberia chegar novamente se estivesse sozinho. O bairro é residencial e, àquele horário, estava absolutamente silencioso. Na rua, vivalma. Na chuva fina, descortinou-se uma porta antiga de madeira, encravada numa parede azulada sem janelas. Nenhuma placa, número ou qualquer outra indicação. Enfim, eu chegava ao Bierkeller.
Não há qualquer senha útil para um “forasteiro” ingressar no pequeno principado de Vittorio Lewandowski. Quem não é frequentador assíduo precisa bater na porta, ao que ele abre uma portinhola e espia pra ver quem é. Se conhecer o vivente — e nele confiar –, entra. Do contrário, ele simplesmente diz que aquilo ali é casa de família e pronto, manda passear mesmo, sem remorso. “Aqui é só pra quem conhece e respeita a cultura da cerveja”, avisa. Porém, caso você seja admitido como “sócio” do clube do Vittorio — privilégio dificílimo de se obter — o acesso é direto. Basta botar o polegar na fechadura biométrica da velha porta — sim, é verdade, eu vi! –, que sua digital será reconhecida pelo sistema eletrônico e ela se abrirá por encanto, revelando lá dentro um mundo particular, misterioso, soturno, silencioso e feérico a um só tempo. Maravilhoso.
Tudo no Bierkeller é feito para impressionar. Vittorio levou anos para conseguir deixar o bar-clube do jeito que está. Cada item foi conseguido a duras custas, e o ambiente se parece bastante com um museu. Não há canto do Bierkeller onde o olhar não se detenha. Não há detalhe que não possua uma história. No imóvel centenário, o novo visitante tem dificuldade de concentrar-se nas cervejas, de tanto que há pra ver, tocar, experimentar.
No velho balcão de madeira, por entre pães e acepipes à disposição do visitante, se ergue a caixa registradora, antiquíssima, a manivela. Vem daí a chance de assinalar outra marca do Bierkeller: Não há garçons, não há serviço e não há contas a pagar. Quer beber? Vá você mesmo até a geladeira, faça sua escolha entre as centenas de brejas — nacionais, importadas e muitas artesanais gaúchas que você só vai achar por lá — e sirva-se. Fome? Encha o seu prato com as porções de queijos e demais frios no balcão — cada pratinho de “picado” sai a R$ 10. Quer ir embora? Faça você mesmo, mentalmente, a sua conta, vá até a caixa registradora, abra-a e faça o seu próprio troco. Não há fiscalização. Há a consciência e o respeito dos “sócios” e frequentadores do lugar, todos empenhados em preservá-lo desse jeito. “Aqui, é tudo da família”, orgulha-se Vittorio.
Saco minha câmera e ele já vem avisando: “Só não pode mostrar o rosto de quem está aqui!”. A preocupação com o anonimato dos frequentadores tem uma racionalidade peculiar: Vittorio não quer que sejam reconhecidos para que não sejam assediados por terceiros que quiserem descobrir o lugar. Não se quer clientela no não-bar.
Adentro com o Vittorio e o Patrick lá pra dentro, e as surpresas se sucedem em ritmo vertiginoso. Aqui, uma jukebox original e tocando, um pé de lúpulo, um teto forrado por capas de LP´s, um oratório com santo e tudo. Ali, uma TV do tempo do onça, uma coleção de gravuras dos anos 20, uma geladeira dos 30, uma moedora de café dos 40. Ao fundo do salão principal, uma cristaleira onde os clientes depositam seus copos de estimação para neles beber quando lá estiverem. Desço as escadas, fuço na câmara fria abarrotada de preciosidades brejeiras e eis que… bem, é melhor o leitor assistir com os próprios olhos onde me meto:
Pois então, não é que o castelo do Vittorio tem até passagem secreta? Se eu só falasse ninguém acreditava… Definitivamente, não se sai ileso do Bierkeller. E as lembranças, essas sim, jamais lhe deixarão.
Por final, antes de ver as fotos aí embaixo, um conselho deste escriba: Não faça uma busca pelo Bierkeller. Faça, antes disso, a sua própria busca cervejeira, o seu próprio caminho no entendimento do nobre líquido. Vai chegar a hora certa de o Bierkeller atravessar naturalmente a sua caminhada. Aconteceu comigo…
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