As cervejas que nunca serão – A voz dos proscritos

Vintage3

No que tange às cervejas artesanais nacionais, feitas em diminuta escala e por cervejarias pequenas, as autoridades do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ainda se perfilam e entoam, a altos brados, o chavão do personagem Capitão Nascimento, no filme Tropa de Elite: “Nunca serão”!!!

O leitor sabia que uma cerveja clássica, elaborada artesanalmente com os melhores insumos, foi “censurada” pelo braço paulista do MAPA apenas por conter o nome “Vintage” com o que, na opinião iluminada do funcionário estatal, a cerveja “poderia ser confundida com vinho” — embora estejam sendo comercializadas livremente outras cervejas com o mesmo nome, só que importadas? Essa e outras histórias bizarras — porém reveladoras — são contadas em escabrosos detalhes por Marcelo Carneiro da Rocha, da Cervejaria Colorado, micro de Ribeirão Preto (SP), no texto que segue.

O desamparo e a ira

Tenho que expor ao nosso país que alguns setores do MAPA são escandalosa e ostensivamente perseguidores da pequena indústria cervejeira nacional. Vivemos numa situação de evidente oligopólio, com uma meia-dúzia de grandes cervejarias dominando 99% do mercado e o andar de baixo com cerca de uma centena de microcervejarias desunidas que não têm advogados caros, lobby em Brasília ou poder econômico, sendo massacradas.

Vou narrar minha ultima passagem pelo MAPA. Tinha planos de ir à capital paulista para saber noticias do processo da Vintage Black Rapadura, já que havia, se me lembro bem, seis meses que não conseguia nenhuma informação consistente. Na noite anterior, comentei com um cliente o que ia fazer. Este, como a maioria dos ribeirão-pretanos, era muito simpático à cervejaria e me disse que conhecia o secretário do MAPA paulista e, nessa condição, se comprometeu a ir comigo.

Lá chegando, o secretário foi cortês e educado como se deve ser. Ligou para o departamento competente e pediu informações sobre o processo. Alguns minutos de conversa cordial e toca o telefone pedindo que eu descesse para falar no andar de baixo. Fui recebido por um funcionário publico irado, perguntando “quem era eu para reclamar com

Marcelo Carneiro da Rocha, da Cervejaria Colorado
Marcelo Carneiro da Rocha, da Cervejaria Colorado

 o secretário?”, fez questão de dizer que era concursado e que eu não conseguiria tomar seu emprego — como se eu quisesse algo assim!

Dias depois apareceu por aqui um documento do órgão no qual diziam que estavam vetando o nome Rapadura, alegando que eu queria “lesar o país como fizeram os japoneses quando registraram o nome cupuaçu”. Justo nós, de uma microcervejaria de vinte e poucos funcionários, intentávamos tirar vantagem da poderosa indústria açucareira brasileira e dos pobres cortadores de cana do Nordeste!!! O motivo pelo qual existem produtos chamados Fanta Uva, Fanta Laranja e quetais não foi explicado. 

O conformismo

Diante disso, tirei o Rapadura do nome e ficou apenas Vintage Black, Mais meses se passaram, e foi quando o Alexandre (Bazzo) da (microcervejaria) Bamberg me disse que já havia tentado o mesmo nome Vintage, o qual foi rechaçado porque poderia induzir o consumidor a confundir vinho com cerveja… O argumento de que existiam no mercado ao menos duas cervejas estrangeiras com o Vintage no nome não impressionou ninguém.

Concluindo, para chegar ao fim desta odisseia, resolvi chamar a mesma cerveja de Ithaca, na certeza de que o burocrata não saberia quem foi Ulisses nem Homero. O nome foi aprovado em tempo recorde e se livraram momentaneamente deste cidadão chato. Desde então, não piso mais lá — tenho medo de ser mal-interpretado. Tenho um processo novo por lá, de uma nova cerveja, a Double Indica, e sabe-se lá quando será liberado.

Mel e chocolate na cerveja

Gostaria de esclarecer que o registro da minha Colorado Appia (cerveja artesanal que contém mel de abelhas em sua fórmula) existe, mas em situação precária, embora haja uma absurda proibição de se usar componentes de origem animal em cervejas. Há um processo correndo no MAPA onde a Colorado, aliada à Cobracem (Associação Brasileira dos Profissionais de Cerveja e Malte), tenta justificar o uso do mel. Está em trâmite há anos, e não me surpreenderia se, depois deste meu artigo, suspendessem o registro desta cerveja que é uma das minhas campeãs de venda. Em tempo: O mel, assim como o chocolate, é largamente usado em cervejas na Inglaterra, Estados Unidos e até nos nossos vizinhos Argentina e Chile.

Uma pergunta que não para de berrar: Por que, nas grandes cervejarias e vinícolas nacionais, usa-se larga e livremente, como clarificante, o componente chamado isinglass, o qual é feito a partir da bexiga natatória de certos peixes? Ora, peixe não é animal? Também conheço um pouco de vinho e sei que, além do isinglass, vinícolas de primeira linha utilizam albumina de ovo, gelatina animal, quitina extraída de insetos e crustáceos, entre outros ingredientes de origem animal para clarificar sua bebida. Isso pode? O MAPA pode atestar com exatidão que não existam vestígios destas substâncias nestas bebidas? Vão abrir alguma garrafa de Mouton Rothschild para comprovar?

Vamos à luta?

Esse é um estado de coisas altamente injusto. Se não existe associação que nos traga resultados palpáveis, vamos usar a internet! Ela elegeu o Obama e está constantemente revelando outras tiranias piores que as que sofremos. Se quisermos, poderemos! Jorge Luis Borges, meu escritor preferido, uma vez disse que “só há uma coisa da qual ninguém jamais se arrepende, e esta coisa é haver sido valente”. Os ingleses por sua vez afirmam “the pen is mightier than the sword” (a pena é mais poderosa que a espada)

Podemos nós, mesmo pequenos, pensar que o teclado é mais poderoso que o tacape. Chega de sermos retratados nos corredores de Brasília por concorrentes engravatados como imbecis ou sonegadores.Vamos mostrar às pessoas de bem que existe algo chamado cultura cervejeira, que somos cidadãos inteligentes, que o dinheiro sozinho não tem ideias. Enfim, que não merecemos este estado de coisas.

Por favor amigos cervejeiros, indignem-se! Contem suas mazelas, twittem ,retwittem, blogueiem, publiquem! A luz do sol é o melhor desinfetante.

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Esta postagem é o desdobramento da discussão gerada no artigo As cervejas que nunca serão, publicado neste Blog em 11 de janeiro. O texto acima foi adaptado para este post. A íntegra da opinião de Marcelo Carneiro da Rocha está contida dentro dos comentários do artigo citado.


Comments

10 responses to “As cervejas que nunca serão – A voz dos proscritos”

  1. É preciso pensar em como usar a internet a nosso favor, o primeiro passo foi dado que é divulgar os absurdos do MAPA podemos pensar em um movimento em prol das micros e nanos cervejarias. Se possível traduzir tudo isso em uma hashtag e incentivar as pessoas a divulgarem as informações e sentimentos sobre o caso. Os que consomem cervejas diferenciadas crescem a cada dia e já somos um número significativo para fomentar tal movimento. O que mais podemos fazer?

  2. Pessoal,

    Vamos usar a internet pra protestar, um protesto pacifico e do nível que a cerveja merece, cervejarias divulguem os absurdos que aconteceram com voces, assim mostraremos que não são casos isolados, blogueiros ajudem a divulgar.

  3. triste o relato sobre o funcionário público. a verdade é que nestas repartições públicas não tem muito com quem reclamar. alguém já tentou uma carta à presidente?

    e quais são as formas de mudar esta legislação em relaçao a produtos de origem animal e os nomes?

  4. Infelizmente, esta parece ser a política oficial em muitos orgãos públicos: uma mistura de má vontade e ignorancia à qual com frequencia é acrescentada má fé.
    Protestar na internet pode eventualmente funcionar mas se tem algo que faz a diferença, não de forma imediata mas de maneira inexorável e permanente é o aumento de interessados em cervejas de qualidade, portanto o que nós realmente podemos fazer, o que está ao alcance de todos, é apresentar o universo das cervejas de qualidade à tantas pessoas quanto possível, pois isso em tempo fará toda a diferença. Mas toda açao é válida, pois só o que nao podemos é deixar a coisa como está, muito menos aceitar o fato de que sao nacessários “jeitinhos” para se reistrar um nome, ou esperar pela boa vontade de pessoas que deveriam ser, em tese, especialistas no tema e totalmente isentos.

  5. Sergio Pimentel Avatar
    Sergio Pimentel

    Aos jornalistas de plantão:
    Por que não divulgar a matéria em seus jornais…
    Por que não um novo episodio do TV Brejas sobre o tema?
    Um novo programa Pão com Cerveja??
    A exemplo do Luis Nassif que divulgou em seu portal a materia anterior…
    Esse é o caminho, dar publicidade ao que ocorre lá dentro (Mapa)…
    A união dos blog’s cervejeiros, quem acompanha comentar,twitar e outros “ar” da vida…
    Eu (nós) enquanto consumidores ainda pouco podemos fazer, mas quem detem o poder da escrita e da comunicação pode muito mais…

  6. Sergio Pimentel Avatar
    Sergio Pimentel

    Em tempo…
    Que fim levou o 1º Censo Acervas do Sr. Ricardo Amorim??
    Seria de importante ajuda a causa cervejeira os numeros deste censo…

  7. Thiago Lemos Avatar
    Thiago Lemos

    concordo em genero e grau, essas grandes cervejarias não tem problemas em com nomes ou usar quaisquer produtos.

  8. Confundir com vinho???
    Como, seta escrito: “CERVEJA”???
    Brasil é o país dos oligopólios e da piada pronta…

    Um viva a Colorado.
    Agora vou degustar suas cervejas com prazer ainda maior.

  9. Isso é mais uma arbitrariedade, mas a culpa está em existir uma lei tão restritiva para definir o que é cerveja.

    Trata-se do Decreto 6871, que em seu artigo 36 trata da “definição legal” de cerveja.

    Que fique bem claro que os abusos cometidos pelo MAPA n~]ao são previstos nessa lei, visto que o artigo 43 explicita o que é proibido ao fabricar cervejas, e “usar ingredientes de origem animal”, “colocar termos desconhecidos no rótulo” e “usar símbolos nacionais (como a rapadura)”

    Vejam o meu comentário completo acerca dessa arbitrariedade no meu blog (sejamoslivres.blogspot.com).

    Liberte-se!

  10. Fernando Frassetto Avatar
    Fernando Frassetto

    É ridículo…como podem fazer uma coisa tão patética quanto proibir a Colorado, uma cervejaria que faz um trabalho muito sério e produz cervejas de altíssima qualidade, ser obrigada a trocar o nome de seu produto por causa de um burocrata que não deve nem saber ler e escrever direito (concursos neste país só servem para excluir “indesejados”, não para incluir bons trabalhadores). Absurdo. Apoio totalmente a indignação da Colorado.

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