Por Mauricio Beltramelli *
No filme Tropa de Elite, o brucutu Capitão Nascimento, coordenando o treinamento de admissão de recrutas no Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, é pródigo em repetir a frase que virou o bordão “nunca serão”. Ele se referia, no filme, às pretensões dos novos candidatos a ingressar no pelotão, exortando-os a abandonar o treinamento. Nunca serão!
Pois os luminares barnabés do eficiente Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), talvez na falta do que fazer de mais últil, especializaram-se em dizer nunca serão a várias cervejas artesanais que poderiam estar nesse momento servindo aos paladares dos brasileiros. São eles, infelizmente, que aprovam a comercialização de novas cervejas no território nacional, após examinar suas fórmulas e seus rótulos.
Pra esses tão diligentes servidores públicos, cerveja é só aquela que está na propaganda da TV, aquela standard de gosto padronizado e fórmulas idem. Aquela “cerveja-arroz” da qual falei noutro artigo. Aquela que os torcedores de rótulos cultuam, cujo vencimento não pode jamais passar de seis meses da data de fabricação. Aquela, enfim. E as que não se enquadram nesse perfil? Nunca serão!
A lindíssima garrafa cujas fotos ilustram esse artigo é um exemplo recente. Trata-se da inovadora DaDo Bier Double Chocolate Stout, edição comemorativa da cervejaria DaDo Bier, de Porto Alegre (RS), elaborada em mais uma feliz parceria com os homebrewers cariocas Ricardo Rosa e Mauro Nogueira após suados três anos de trabalho. A seleção de insumos é soberba, e a breja é coroada com o toque magistral do chocolate Kopenhagen 70% cacau.
Chocolate não!
Feitas as apresentações da cerveja aos funças do MAPA, sabe qual foi a resposta? Nunca serão! Eles fizeram valer a norma vigente — e asna, e inexplicável — que preconiza que uma cerveja nacional não pode sofrer adição de componentes de origem animal. No caso, os “hômis” encanaram com o leite em pó contido no chocolate. De acordo com Eduardo Bier, proprietário da cervejaria, a saída foi fazer um lote limitadíssimo de apenas 100 exemplares, os quais estão sendo presenteados apenas a amigos — esse escriba é um desses sortudos.
Acontece que, vejam só, há outras cervejas com “componentes animais” na receita sendo normalmente importadas e comercializadas em território nacional — e aqui me absterei de mencionar seus nomes evitando despertar um insuspeito “excesso de diligência” dos funcionários ministeriais. Apenas para situar o leitor, o crivo do MAPA para as brejas importadas — estudo de fórmula, rótulo, etc. — vale tanto quanto para as produções nacionais. E, pelo menos até o momento, não se tem notícia de que quaisquer dessas brejas já aprovadas tenha levado algum degustador aos leitos hospitalares. Embora contenham os “perigosamente mortais” componentes animais, sequer um desarranjo intestinal foi relatato por quem se aventurou a degustá-las — incluindo este escriba.
E qual seria a obscura razão imposta pelo MAPA segundo a qual as cervejas gringas com ingredientes “animais” passam na fiscalização, sendo que as artesanais nacionais não são aquinhoadas com a mesma sorte? Importada pode, nacional não? Imagina-se o coro de agentes do órgão, perfilados, a bradar: Nunca serão!!!
O calvário em Votorantim
Já para Alexandre Bazzo, cervejeiro da Bamberg, de Votorantim (SP), o caminho não é menos pedregoso. Em julho do ano passado, a microcervejaria realizou o I Concurso Paulista de Cerveja Caseira em parceria com a ACervA Paulista (associação de cervejeiros caseiros do estado), a fim de escolher a breja no estilo Extra Special Bitter (ESB) que integrará seu portfólio. Escolhida a breja vencedora, Bazzo submeteu fórmula e rótulo à apreciação dos digníssimos burocratas do MAPA. Preciso mesmo dizer a resposta?
Desta feita, os sapientes conhecedores de cervejas disseram nunca serão ao “estranho” rótulo da breja do homebrewer Guilherme de Santi por desconhecerem o termo ESB. Pois bem, a mensagem está passada. Cerveja “tipo pilsen” pode — embora as “tipo pilsen” que se conhece do mercado sejam tudo, menos Pilsen –, mas Extra Special Bitter (ESB) não pode. A mentira pode, a verdade não. Bazzo já submeteu um novo rótulo para a breja com o termo “Pale Ale” no lugar de ESB aos fiscais, já que a mentira, desde que seja conhecida, é bem-vinda. Quem sabe assim, na base do auto-embuste, a nova cerveja, enfim, será?
Essa é a cultura cervejeira dos illuminati do MAPA. De que adianta tentarmos criar um mercado sólido deste lado do Equador, fomentando cervejarias brasileiras ousadas e criativas, se os fiscais responsáveis por aprovar as bem-vindas criações dos cervejeiros só sabem rezar a cantilena do Capitão Nascimento? Quantas mais brejas maravilhosas seremos obrigados a não ter, em função de uma estúpida recusa dos burocratas em simplesmente informarem-se minimamente sobre estilos de cerveja?
O que você disse, estilos de cerveja? Não é tipo pilsen? Nunca serão!
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* Mauricio Beltramelli, editor do BREJAS, é Mestre em Estilos de Cerveja pelo Siebel Institute (EUA) e Sommelier de Cervejas pela Doemens Akademie (Alemanha).
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