“Você quer vir pro Mondial de la Bière, aqui na França?”
Foi pra me persuadir com essa proposta altamente indecente que Marcelo Carneiro, comandante da Cervejaria Colorado, me ligava de Strasbourg, às 5 da tarde de uma quarta-feira. Detalhe importante: o voo sairia dentro de menos de 24 horas, e eu teria apenas poucos minutos pra decidir pela viagem. No meu caso, amante inveterado de cervejas e viagens, não foi uma decisão particularmente difícil…
Depois de ter voltado com experiências incríveis e amizades idem na bagagem, decidi que a primeira postagem não falaria propriamente das cervejas e cervejarias que tive contato na França. Sobre isso farei ao longo dos próximos dias, tanto neste Blog quanto, pontualmente, no Ranking do BREJAS. Antes, quero falar sobre a viagem em si, uma verdadeira aventura, considerando o imediatismo da proposta e diversos outros aspectos. Todos divertidos e absolutamente memoráveis, a começar das “segundas intenções” de Marcelo em relação à minha ida.
Como foi amplamente noticiado na mídia internacional, semanas atrás a França enfrentava uma das maiores greves gerais de sua história. Isso aconteceu bem durante o Mondial, o que fez com que todo um carregamento das cervejas Colorado Cauim, Índica e Demoiselle não chegasse a tempo. A solução? Eu e Bia Amorim, responsável pelo marketing da cervejaria, faríamos o papel de “mulas”, contrabandeando nas malas as brejas para o festival. Aí começava a aventura.
A fim de obter uma maior margem de sucesso na empreitada, uma intrincada logística foi armada. Bia partiu de Ribeirão Preto, eu de Campinas, e nos encontramos no aeroporto de Guarulhos. Lá, já nos esperava o staff paulistano da Colorado, com nada menos do que dez caixas de cerveja, cada uma com 12 unidades. Eu e Bia levaríamos, cada um com duas malas, o total de 120 brejas para a França. Nos esparramamos na entrada do aeroporto, e ali implantamos uma pequena linha de montagem, embalando cada garrafa com plástico-bolha e acondicionando nas quatro malas. É de se imaginar a cara dos viajantes que chegavam e viam a inusitada operação. Malas fechadas, check-in e lá vamos nós.
Manhã seguinte, após breve conexão em Paris, chegamos amarrotados ao aeroporto de Strasbourg. Na esteira de bagagens… Cadê as malas? Fomos achar as minhas duas numa sala ao lado, prestes a passar pela alfândega. Quanto às da Bia, nem sinal. Ao levantá-las da esteira, mais surpresa: Ambas pingando cerveja Colorado, provavelmente Índica. Sim, uma ou várias garrafas, definitivamente, tinham se quebrado lá dentro de cada uma delas.
Antevi mais nuvens negras à frente quando vi que, na fila da revista alfandegária, absolutamente todas as malas estavam sendo abertas e reviradas. Objetos pessoais examinados e perguntas sobre eles — às vezes constrangedoras — sendo feitas pelos carrancudos agentes franceses. Logo à minha frente, uma senhora ultrachique não mereceu condescendência, tendo que explicar o funcionamento de uma “chapinha” de cabelo. Este escriba, amassado e com as malas pingando e recendendo cerveja, não teria a menor chance.
Chega a minha vez. Examino o agente a me atender e decido usar uma tática adquirida nos longos anos de advocacia, quando orientava testemunhas antes das audiências: Responder apenas o que me fosse perguntado, sem volteios nem delongas. A verdade, sim, mas só o que me perguntassem. E as perguntas não tardaram a acontecer.
— Bom dia. Qual a razão da viagem?, inquiria-me o agente, em inglês claudicante.
— Lazer. Vim para o Mondial de la Bière, respondi, resoluto, pronto a abrir a primeira mala encharcada e repleta de cerveja do outro lado do planeta. Não era mentira. Só não contara toda a verdade… Após abertas as malas e revelados os seus conteúdos, explicaria o resto, já me conformando com um provável confisco das preciosas brejas. Só que…
Naquele momento, por mais improvável que fosse, um pequeno milagre aconteceu. O rosto do francês se iluminou como por encanto. Filho da cidade, por certo se sentiu orgulhoso em receber viajante de tão longínquas paragens para prestigiar o “seu” festival. Após breve e animado bate-papo, inacreditavelmente deixou passar minhas pingantes malas sem nem mesmo fazer menção de abri-las. Merci, au revoir, e passei rapidinho pela porta basculante da saída, antes que alguém mudasse de ideia.
As malas da Bia não tiveram a mesma sorte. Simplesmente não chegaram, o que viria a acontecer apenas na noite daquele dia — e igualmente encharcadas de cerveja. Após a burocracia usual no setor de bagagens desaparecidas, metemo-nos no táxi. Toca pro hotel.
Lá, ao abrir minhas malas, sentimos o drama do estrago. Duas garrafas — sim, eram Índicas! — quebradas e mais três vazaram até a metade. Minhas roupas encharcadas e repletas de cacos de vidro seguiram direto pra lavanderia do hotel (depois vi a conta: 80 euros!). Os funcionários logo se compadeceram da situação e, dentro do quarto, nos ajudaram a desenrolar e descartar os quilômetros de plásticos-bolha encharcados de cerveja.
Garrafas prontas, enfim, chegara o grande momento do Mondial de la Bière. Descolamos o carrinho de malas do concierge e nele colocamos as caixas de Colorado, numa cena no mínimo engraçadíssima. Já na recepção do Hilton, à espera do táxi que nos levaria ao festival, um grupo de americanos é atraído pela cena inusitada. Um deles, com uma jaqueta da Stone Brewing Co., veio assuntar, curioso, as cervejas brasileiras. “Hi, I´m Greg!”, cumprimentou-me. Era ninguém menos que Greg Koch, co-fundador e C.E.O. da incensada cervejaria americana. Já fazíamos altas amizades cervejeiras antes mesmo de pisar no Mondial! Dali em diante, Greg, ultra gente boa, seria visita recorrente no stand das cervejas brasileiras no festival. Claro que retribuíamos, sempre que possível, as visitas ao stand das brejas americanas…
As Colorado chegaram triunfantes aos pavilhões do Mondial de la Bière a bordo de um carrinho de mão que descolei, cena retratada na foto do cabeçalho deste post. Mas, infelizmente, não a tempo de concorrerem às medalhas do concurso. Nada a reclamar: As Bamberg Rauchbier e Schwarzbier trouxeram ouros ao Brasil, conforme noticiei neste post.
Outras cenas memoráveis aconteceram durante aquela semana intensa, incluindo um encontro não combinado e emocionado com o brejeiro Michel Wagner, um dos fundadores do BREJAS e que mora em Genebra, na Suíça. Mas aí já vai começar a parecer mentira de pescador…
Mas chega de contar histórias. Como imagens funcionam melhor que palavras, curta algumas fotos que fiz no Mondial de la Bière 2010 de Strasbourg, que tive a honra de acompanhar a convite da Cervejaria Colorado:
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