Marcas mais populares de cerveja usam milho para reduzir custos de produção
Uma das análises químicas mais completas já feitas com marcas de cerveja do Brasil e do exterior dá peso a uma tendência que estudos menores já indicavam: as grandes marcas nacionais têm elevadas quantidades de milho em sua composição, embora a matéria-prima tradicional da bebida seja a cevada.
São os nomes mais conhecidos do público, como Antarctica, Brahma, Skol e Nova Schin (veja infográfico acima). A análise sugere que essas marcas estão no limite da porcentagem de milho como matéria-prima para cerveja que a legislação nacional determina (45%) ou podem até tê-lo ultrapassado.
As empresas produtoras questionaram a análise (leia texto abaixo). Por outro lado, o estudo indicou que algumas cervejas em pequena escala possuem o teor que se esperaria de uma bebida feita só com água, cevada e lúpulo, como reza a tradição alemã.
A pesquisa é assinada por cientistas do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da USP de Piracicaba, e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
O grupo piracicabano, coordenado por Luiz Antonio Martinelli, já estudou cervejas antes, além de verificar a presença de álcool de cana no vinho nacional.
“Ninguém aqui está dizendo que a cerveja é pior por ter milho –aliás, eu nem bebo cerveja, só vinho”, diz Martinelli. Ele ressalta também que o trabalho tem margens de erro e que o propósito não foi denunciar que certas marcas não seguem a lei.
“A diferença de composição é muito pequena [no caso das que parecem ter muito milho]”, diz a bióloga Sílvia Mardegan, orientanda de Martinelli e autora principal do estudo, que sairá na revista científica “Journal of Food Composition and Analysis”.
Além disso, ela lembra que só uma unidade de cada marca foi estudada, e que existem variações por lote e por região do país. Por outro lado, a variedade de marcas (77, sendo 49 nacionais e 28 importadas) ajuda a dar um panorama amplo do mercado.
Balança de átomos
Em essência, o método da USP de Piracicaba é uma balança de átomos. Isso porque os átomos de carbono que os seres vivos usam em seu organismo existem em dois “pesos” principais, o carbono-12 e o carbono-13 (o segundo um pouco mais “gordo”).
As plantas incorporam carbono o tempo todo em seu organismo durante a fotossíntese. Só que algumas têm um “paladar” diferenciado. São, por exemplo, as gramíneas tropicais, como o milho e a cana, que “preferem” uma proporção relativamente maior de carbono-13.
É essa assinatura que os cientistas usam para diferenciá-las de plantas como a cevada ou a uva, que têm menos apreço pelo carbono-13.
Os pesquisadores estabeleceram qual era o “perfil de carbono” da cevada e o do milho e fizeram a mesma análise na cerveja. Se a proporção das variantes do elemento químico na cerveja era intermediário, o veredicto só podia ser um: mistura.
O método tem algumas limitações. Teria mais dificuldade de flagrar o uso de arroz na cerveja, já que o perfil de carbono do arroz é semelhante ao da cevada.
Sady Homrich, especialista em cerveja e colunista do caderno “Comida”, da Folha, diz que o consenso entre cervejeiros é que diminuir o teor de cevada acaba afetando a qualidade da bebida.
“A boa cerveja é a de puro malte de cevada, porque você pode explorar variações de sabor e aroma vindas da secagem e da torrefação da cevada”, afirma Homrich.
Apesar do argumento de que o milho deixaria a cerveja mais leve, Homrich diz que a grande preocupação da indústria é diminuir o custo.
Outro lado
Em comunicados, os fabricantes de cervejas com alto teor de milho apontado pela pesquisa defenderam a qualidade de seus produtos.
A Ambev, fabricante das marcas Caracu, Antarctica, Brahma, Bohemia e Skol, afirmou que “controlar a quantidade de malte de cevada é necessário para obter cerveja com características adaptadas ao paladar do consumidor brasileiro: leve, refrescante e de corpo suave”.
“A indústria brasileira de cerveja possui tradição de mais de cem anos e tem orgulho de produzir bebidas de altíssima qualidade. A Ambev leva aos seus milhões de consumidores receitas seculares produzidas com os melhores insumos disponíveis em todo o mundo”, continua o comunicado oficial.
A empresa disse ainda que seus produtos seguem à risca as determinações do Ministério da Agricultura e que está investindo na produção nacional de cevada e em quatro maltarias próprias.
Já a Schincariol, que produz a Nova Schin e a Glacial, diz que “respeita as iniciativas de pesquisas realizadas pela USP, mas ressalta que a metodologia utilizada no mencionado estudo não é a determinada pelo Ministério da Agricultura”.
A empresa afirma que “está à disposição dos pesquisadores responsáveis pelo estudo para esclarecer possíveis dúvidas sobre seus produtos ou processos”.
“É um trabalho interessante, mas discordamos dos resultados”, disse à Folha Humberto de Lazari, gerente corporativo industrial do Grupo Petrópolis, das cervejas Itaipava e Crystal.
Ele afirmou que as imprecisões técnicas da pesquisa seriam discutidas de forma mais apropriada “num fórum técnico”, mas ressaltou que a empresa usa menos do que os 45% de produtos não derivados de cevada em suas bebidas –disse não poder revelar a proporção exata.
A legislação não exige que as empresas declarem nos rótulos a composição exata das cervejas que produzem.
Lazari questionou a afirmação do estudo de que o milho aceleraria o processo de produção, cortando custos.
A Heineken, hoje responsável pela Kaiser, declarou em comunicado que “já possuía conhecimento da publicação, mas não encontrou relevância no artigo, pois a análise científica possui diversas inconsistências”.
“Entre os vários equívocos da publicação, destacam-se os erros explícitos de amostragem estatística e o fato de o cientista não ter considerado o isótopo de nitrogênio. Com isso, como o próprio trabalho da USP reconhece, a utilização de arroz poderia influenciar nos números.”
Martinelli, da USP, diz estar aberto a conversar com as empresas, mas afirmou confiar em sua metodologia.
Fonte: Folha de S. Paulo
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