Cerveja na madeira

barrels

por José Felipe Pedras Carneiro*

No Brasil, pouco ou quase nada se diz a respeito da maturação de cerveja com a madeira. A Cervejaria Wäls tem o orgulho em dizer que foi uma das pioneiras — senão a primeira — ao lançar a Wäls Quadruppel, que é maturada com chips de carvalho frânces. Mas e daí? O que essa história de colocar a cerveja em contato com a madeira faz de diferença no produto final?

O assunto é muito complexo e cheio de relatividades, mas a conclusão final é tirada na maravilhosa mudança ao experimentar o líquido precioso. Vamos primeiro entender o que é a madeira!

Os principais elementos químicos de formação da madeira se diferem muito pouco em relação quantitativa. Ela é constuída basicamente por Caborno (C) -49-50% -, Hidrogêneo (H) -6%-, Oxigênio (O) -44-45% e Nitrogênio (N) – 0,1-1%. Além disso, é possível encontrar em pequenas quantidades, Cálcio (Ca), Potássio (K), Magnésio (Mg) e outros minerais.

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Nas substâncias chamadas macromoléculas (polímeros) dividimos a existência de Celulose, hemicelulose (ambas polissacarídeos) e ligninas. A celulose abrange quase metade da composição dos polímeros da madeira, sendo o principal componente da parede celular.

Que bichos são esses?

A Hemicelulose são os chamados açúcares neutros, divididos em cinco grupos: Glucoses, manose, galactose, xilose e arabinose.

A Lignina é um dos fatores cruciais na questão aromática para o contato com a cerveja. Sua formação é constituída por um sistema de aromas composto de unidades de fenil-propano. É a última camada a ser formada como componente da parede celular, consequentemente, em contato direto com o líquido.

Junto desta parede celular, ainda existem as substâncias de baixo peso molecular que podem também influenciar em propriedades de aromas, sabor e durabilidade da madeira. Por menor que sejam as quantidades em relação à massa total, fazem uma grande diferença nas suas propriedades. Sendo resumidas em compostos aromáticos (fenólicos), terpenos (mirceno, gereniol, canfora e etc), ácidos alifáticos, ácoois (ésteres) e sbstâncias inorgânicas (Ca, K e Mg) além de mono e dissacarídeos (casca interna).

Pronto, entupi a cabeça de todo mundo com um tanto de coisa que pouquíssimas pessoas já estudaram ou entenderam, mas volte ao início, releia, compreenda e continue a leitura…

Os tipos de madeira

Vamos focar basicamente na Lignina e seus efeitos mais avassaladores no líquido em contato. Para ficar mais claro vamos falar de alguns  exemplos de contato e suas reais transformações aromáticas:

BálsamoMyroxylon peruiferun L.F – Aromas moderamente amendoados e com notas de canela e cravo.

CarvalhoQuercus SP –  Aromas que lembram ameixas, cassis , baunilha e caramelo.

UmburanaAmburana cearensis – Aromas mais intensos de baunilha. (Quem já cheirou rapé? Pois umburana é responsável pela sua aromatização).

Ainda há fatores como torrefação da madeira, tempo de contato e receita da cerveja, os quais podem influenciar muito em cada tipo de maturação. O mais legal é fazer testes e ver no que isso vai dar.

Em relação à cerveja maturada em barril, temos algumas observações que podem ser feitas. O envelhecimento provoca reação de oxidação de componentes gerados na fermentação, assim como os efeitos citados acima junto à parede celular da madeira. A temperatura do ambiente em que o barril se encontra, a umidade relativa do ar e as condições climáticas são de relevâcia altíssima. Ainda existem os fatores relacionados ao tamanho do tonel, a quantidade de utilizações e o tipo de madeira.

Cervejas “amadeiradas” a caminho!

Aqui na Wäls compramos dez barris de carvalho francês que vieram importados da Escócia e que antes maturavam o tradicional whisky do estilo single malt. Ainda não decidimos qual cerveja vamos colocar para ganhar mais vida e alma nestes barris. Mas garantimos que será incrível.

Durante 1 ano fizemos testes que alguns afortunados que já visitaram a Wäls tiveram oportunidade de conhecer. Temos aqui amostras de maturação com carvalho francês de média tostagem, carvalho francês natural e carvalho americano com baixa torrefação. Quem me dera se conseguíssemos passar via web os diferenciados aromas!

O mais importante é o profissional que está à frente de todas as produções ter, além de bastante estudo, um “feeling” sensorial avançado. Criar cervejas e ainda por cima com maturação em madeiras é um trabalho para audaciosos alquimistas.

Mais uma vez afirmamos: Não fazemos cerveja, criamos obra de arte!

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*José Felipe Pedras Carneiro é cervejeiro de uma das microcervejarias brasileiras que mais contribuem para a cultura cervejeira do país, a Wäls, de Belo Horizonte (MG). O texto reproduzido acima foi publicado originalmente no blog da cervejaria. 

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Comments

6 responses to “Cerveja na madeira”

  1. Lucas Avatar
    Lucas

    Mas por quanto tempo tem que ser a fermentação? Eu sei que depende de cada tipo.
    Precisa estar refrigerado o ambiente?

    Abraço
    Lucas

  2. José Felipe Carneiro Avatar
    José Felipe Carneiro

    Espero que possam entender. Ficou um pouco técnico, ainda falo que tem muita coisa que deixei de lado para ficar uma leitura simples… Qualquer dúvida estamos a disposição! Muito obrigado pelo carinho com a Wäls.

    Abraços,

  3. Bia Amorim Avatar
    Bia Amorim

    Que orgulho!Ainda mais vontade de conhecer a Wals!Excelente texto, me ajudou a aprofundar mais os conhecimentos de cerveja!

  4. Daniel Avatar
    Daniel

    “ácoois (ésteres)”
    álcoois e ésteres são duas coisas completamente diferentes

  5. Muito bom saber que a Wäls (a Tripel é uma das minhas TOP 3 nacionais) está investindo na madeira, uma tendência mundial.

    Mesmo no mundo do whisky, onde o assunto não é novidade, tem se falado muito em madeira. Não por acaso, foi matéria de capa da “Malt Advocate” retrasada (“Better Wood, Better Whisky”).

    Quando a Harviestoun perguntou à Highland Park se eles aceitavam ceder barris para que fizessem neles maturação e receberam um sim, começava um novo capítulo no mundo das cervejas.

    Ainda no que diz respeito a whisky, nomes como MACALLAN e GLENMORANGIE iniciaram uma revolução ao usar barris de vinho do porto, jerez, rum e vinho para que o seus single malts (já maravilhosos) recebessem um “finish”. Hoje não há destilaria que não queira fazer o mesmo, ao mesmo com parte de sua produção.

    Aliás, você poderia dizer de que destilaria são os barris que a Wäls usará?

  6. José Felipe Carneiro Avatar
    José Felipe Carneiro

    Lucas, a fermentação não percisa ser necessariamente no barril. A temperatura vai depender do tipo de levedura. A receita é que vai mandar.

    Bia, muito obrigado pelo carinho.

    Daniel, você está completamente certo. Seria um “e” e não ( ) para a frase ficar correta. Se houver mais erros químicos, que tenham passados despercebidos gentileza notificar.

    Evandro, esse mercado ainda vai dar muito o que falar. Estamos engatinhando por assim dizer. Quem me dera provar um Macallan, já vi os preços deste whisky e me assustei. Em relação aos barris, assim que eles chegarem aqui na Wäls será um enorme prazer lhe informar. Daí você como um bom entendedor do mundo do whisky vai nos contar se é uma boa destilaria.

    Abraços a todos e muito obrigado pelos comentários.

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