Por Mauricio Beltramelli *
O leitor deste espaço que acompanha, mesmo de longe, o movimento cervejeiro artesanal brasileiro, lembra-se do nome de algum homebrewer que venceu o 3º Concurso Nacional das ACervAs (associações estaduais de cervejeiros caseiros), em Belo Horizonte, em 2008? E em 2009, na capital fluminense, você pode mencionar, sem titubear, os nomes dos vencedores do 4º Concurso Nacional? Vá lá, pra facilitar, você sabe, de chofre e na lata, quais foram os agraciados do ano passado, em Porto Alegre? Formulei, informalmente, essas questões a vários amigos ligados à cerveja caseira, e nenhum me respondeu corretamente. Alguns até mencionavam nomes esparsos, sem ligá-los a esse ou aquele certame, mas todos dependeram de pesquisa à internet (a propósito, pra quem quiser saber, o site é este).
Então, mudei a pergunta. Qual foi o cervejeiro caseiro a emplacar o primeiro Concurso Mestre Cervejeiro Eisenbahn? Todos responderam, sem hesitar, nome, sobrenome e rótulo: Leonardo Botto, criador d´A Dama do Lago. E nos segundo e terceiro Concursos Eisenbahn? Um ou outro entrevistado empacou no nome dos cervejeiros Ivan Steinbach e Sandro Sebastião Singer, mas as cervejas foram logo lembradas: Joinville Porter e São Sebá, respectivamente. Fui mais além e, já que tinha chegado até ali, perguntei o nome do vencedor do Festival de Inverno da ACervA Paulista de 2010 e todo mundo cravou: Guilherme de Santi, cuja cerveja ainda será produzida pela Cervejaria Bamberg.
A razão, praquele que ainda não matou a charada, é óbvia: Concursos entre cervejeiros caseiros são muito mais lembrados quando são apoiados por cervejarias que, após o pleito, produzem edições especiais das fórmulas dos vencedores. O apelo não é apenas e puramente comercial. Pra quem faz cerveja na panela de casa, a honra de ver seu nome estampado no rótulo de uma breja de distribuição nacional é indizível. Para o empresário, é sempre interessante incrementar suas vendas e posicionar sua marca, atingindo um consumidor mais exigente e de maior poder aquisitivo. E, por fim, para o público, que pode degustar as criações dos homebrewers sem obrigatoriamente estar de corpo presente nos Concursos Nacionais, o prazer é garantido. Todo mundo ganha.
Concursos “invisíveis”
Os Concursos Nacionais das ACervAs, criados em 2006 pela Carioca — por sinal, a primeira associação do gênero, que inspirou as demais em outros Estados — são festas divertidíssimas e imperdíveis. O próximo, inclusive, acontecerá em Santa Catarina em junho deste ano. É lá que você poderá degustar as cervejas vencedoras dentre tantas amostras inscritas.
Muito provavelmente, contudo, é só lá. As receitas continuarão em poder dos seus autores. Alguns até conseguem replicar suas fórmulas por algumas levas de pouquíssimos litros as quais, sem o apoio, a grana e a distribuição que uma cervejaria, mesmo de pequeno porte, pode proporcionar, caem no esquecimento. Salvo raríssimas exceções, viram lenda. Você desfrutou da IPA do Edigyl Pupo (vencedor no estilo em 2008)? E a Oktoberfest do André Luis Junqueira Santos (2010)? Nem eu.
Ranço marxista?
As ACervAs, como quaisquer outras associações de qualquer gênero, são o espelho dos seus membros. Nesse pensar, é de se notar que há, por parte de vários membros de várias ACervAs — e falo de exceções, não regras! –, um certo sentimento, digamos, “anticapitalista”, avesso ao empreendedorismo, como se compartilhar receitas com cervejarias fosse um atentado ao “purismo” ideológico das entidades. Como se, ao final e ao cabo, algum dinheiro pudesse macular honras e destruir reputações.
É curioso, entretanto, que a esmagadora maioria dos homebrewers brasileiros considere o cenário cervejeiro dos Estados Unidos como referência de projeto que deu certo. Ali, lá pela década de 1970, as associações de cervejeiros caseiros construíram agendas conjuntas, com foco e método na inventividade, claro, mas também no lucro! E, quando falo em lucro, entendam também replicabilidade de receitas, facilidade de distribuição (mesmo que seja regional) e, por fim e mais importante, disseminação da cultura cervejeira, uma vez que mais e mais gente pôde desfrutar das criações inventivas dos magos das panelas. Deu no que deu, e os gringos hoje fazem uma nova escola cervejeira mundial.
O futuro possível
Será que já não está na hora de assumir de vez essa postura também deste lado do Equador, sem pruridos protomarxistas? A boa cultura cervejeira, afinal, tem como finalidade principal justamente a disseminação do conhecimento sobre cerveja, o qual deve ir muito mais além dos esparsos e clubísticos encontros e Concursos das ACervAs!
Não concorda? Imagine então um sujeito que jamais ouviu falar que há outro estilo de cerveja a não ser “aquele”, e muito menos que é possível fazer cerveja na panela de casa. Num restaurante qualquer, ele se interessa por uma garrafinha da São Sebá e lê, no contra-rótulo, que a breja foi engendrada por um cervejeiro caseiro. Pronto, está passada a palavra, sem que o sujeito tenha que se informar em sites especializados quando e onde se dará o próximo Concurso Nacional.
E, ousando chegar mais além e sendo talvez excessivamente imediatista, que tal seria se a organização do próximo Concurso Nacional pusesse já mãos à obra e ofererecesse a alguma microcercejaria representativa um — ou todos — os estilos postos à prova? Na modesta visão deste articulista (e sendo repetitivo), todos ganham! Ou não?
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* Mauricio Beltramelli, editor do BREJAS, foi nomeado em maio de 2010 como Sócio Benemérito da ACervA Paulista.
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