Abro minha caixa de e-mails e, praticamente todos os dias, a história se repete: sempre tem alguma assessoria de imprensa me convidando para o lançamento de alguma cerveja artesanal brasileira. Quando começamos a fazer o site BREJAS, lá pelos idos de 2007, os lançamentos eram raros, a ponto de polarizar todas as opiniões do “meio cervejeiro” a cada vez que aconteciam. Hoje, eles ocorrem em um ritmo vertiginoso, virtualmente impossível de acompanhar.
A organização do último Concurso Brasileiro de Cervejas, ocorrido em março último, comemorou neste ano recordes de participações: aumento de 74% do número de rótulos inscritos, e assustadores 222% a mais de cervejarias participantes, em relação ao ano passado – incluindo nessa conta as cervejarias “ciganas”, das quais falo a seguir.
Tudo isso dá a falsa impressão de que o mercado de cervejas artesanais no Brasil está explodindo, prenhe de novidades, movimentando bilhões e se sobrepondo à a crise devastadora que assola o país.
Nada mais falso. Senão, vejamos.
Você se lembra do número aproximado de lançamentos de cervejas que aconteceram desde o começo do ano passado? E quantos desses rótulos ainda permanecem nas prateleiras? Não fiz um levantamento, mas chuto dizer que mais da metade dos rótulos de cervejas artesanais brasileiras lançadas hoje não sobrevivem ao teste do tempo e da economia.
Nos últimos meses, mais do que nunca, tem crescido muito o número de pessoas que apostam em “contract brewing”, aquele esquema no qual quem não tem fábrica aluga o espaço-tempo ocioso de quem tem pra produzir comercialmente as cervejas que já fazia em casa – as chamadas produções “ciganas”. Há pessoas de todos os tipos nesse perfil, mas o arquétipo é o do cervejeiro caseiro que quer vender suas crias, junta uma grana e investe numa produção “cigana” a fim de viabilizar o início de um negócio cervejeiro, muitas vezes sonhado durante anos.
Quase toda semana aparece algum amigo no Bar Brejas (do qual sou sócio) pedindo para que vendamos a sua produção cigana. Na maioria dos casos, se trata de uma boa cerveja, correta do ponto de vista estilístico. Quando pergunto o preço e faço um pequeno cálculo mental, concluo que serei obrigado a vendê-la ao meu cliente por um preço que, muitas vezes, tem que ser maior do que muitos rótulos (incluindo importados) já consagrados na cabeça dos consumidores. Eu explico que aqui tem 300 cervejas, a maioria mais barata e conhecida que a dele. Pergunto se ele têm algum argumento a mais de venda, um porta-copo que seja, pra chamar a atenção do cliente. Invariavelmente a resposta é não — na conta, não sobrou nada pra investir em materiais de marketing, nem mesmo um prisma de mesa. Em quase todos os casos, quando mesmo assim compramos a cerveja, ela sobra na prateleira.
Por algum motivo, muitas dessas pessoas acham que o mercado de cervejas artesanais está, sim, explodindo. Todo mundo tem certeza que vai ganhar um bom dinheiro. “Com os constantes aumentos de tributos e custos de produção, os ciganos vêm sendo muito prejudicados”, comenta um empresário do setor, com vários anos de experiência. “Por dia, eu recebo pelo menos três e-mails de pessoas que querem produzir aqui na minha fábrica, no esquema cigano. Aí eu converso, mostro os números e tento de todas as formas tirar da cabeça da pessoa, explicando o tamanho do risco. Está muito difícil entrar no mercado neste momento, até mesmo pra quem já tem uma fábrica montada. Hoje, até mesmo os distribuidores não estão pegando novos rótulos. O momento é de reflexão, não pra colocar a mão no bolso”, crava o profissional.
Não se trata aqui de responsabilizar os ciganos pela falsa impressão de explosão do mercado de cervejas artesanais no Brasil, ainda mais que há inúmeros outros fatores nessa conta, tantos que nem cabe nos alongarmos no assunto. Acontece que são eles, os ciganos, que vêm despontando ultimamente como os criadores da maioria dos rótulos que estamos vendo nascer. Outro ponto a constatar é que inúmeros deles têm obtido bastante sucesso comercial, com rótulos muito bem vendidos e de qualidade indiscutível. O problema é que não são apenas esses casos de sucesso que têm de ser analisados, ainda mais nesse momento.
Um fator crucial a ser considerado é a crescente ameaça dos grandes grupos cervejeiros, os quais têm lançado no mesmo segmento das “verdadeiras” artesanais vários rótulos com apelos gastronômicos diferenciados, em clara disputa de mercado com o setor cervejeiro artesanal. Essa disputa fica injusta quando se constata que as grandes cervejarias têm menos custos de produção em escala, além de contarem com várias benesses (incentivos fiscais e isenções tributárias governamentais) que uma pequena cervejaria ou uma cigana não possuem. Com produtos mais baratos e mais presentes nas prateleiras — graças ao gigantesco sistema de distribuição das “grandes” –, o mercado tem ficado realmente perigoso pra quem se aventura com pouca gordura financeira pra queimar.
Em tempos de crise, durante a qual o desemprego bate níveis históricos, o poder de compra achata a níveis nunca vistos e o consumidor que ainda possui fonte de renda pensa duas vezes antes de pagar mais de R$ 20 numa cerveja, chega o momento ideal para evitar-se aventuras financeiras nesse mercado. Quer investir? Faça contas, muitas. Feitas, refaça-as, minuciosa e insistentemente. Coloque absolutamente todas as variáveis nela, incluindo a talvez inevitável piora do cenário econômico para os próximos dois anos, pelo menos.
Depois de tudo isso feito, ainda quer investir no mercado de cervejas artesanais brasileiras? Boa sorte! Conte aqui com um amigo, que vai sempre torcer a favor.
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