por Pedro Migão*
O mercado brasileiro de cervejas foi sacudido esta semana com a notícia da venda da cervejaria Schincariol à japonesa Kirin, por R$ 4 bilhões. Tal valor foi dispendido por uma fatia de 50,5% das ações da cervejaria, o que coloca os japoneses efetivamente no controle da empresa brasileira.
A Schincariol possui aproximadamente 11% do mercado nacional, com marcas como Devassa, Nova Schin, Glacial e outras, além de bebidas não alcóolicas. Além disso, seu faturamento anual é de cerca de R$ 6 bilhões anuais e um lucro de cerca de R$ 55 milhões – além de uma dívida de R$ 800 milhões, aproximadamente.
O grupo japonês, sexto maior do mundo, entra de forma consistente no mercado brasileiro, que passa a ser o seu maior fora do eixo Ásia/Oceania. A empresa japonesa também possui uma linha consistente de produtos como chás, sucos, vinho e água mineral, e espera-se que utilize a compra da empresa brasileira como plataforma para o lançamento destes produtos. Suas principais marcas de cerveja são a Kirin e a Ichibata.
Brigas internas e reposicionamento
O grupo brasileiro vinha enfrentando problemas de relacionamento entre os sócios, bem como o malogro das campanhas publicitárias da marca Devassa, com garotas propaganda como Paris Hilton e Sandy – abaixo. Os sócios minoritários estudam a possibilidade de entrar na Justiça contra a venda, mas a expectativa do mercado no momento em que escrevo é de que estejam apenas tentando obter uma fatia maior de valor pelo seu bloco de ações.
A Schicariol havia comprado a Devassa, cervejaria do Rio de Janeiro, com o objetivo de se posicionar originalmente em uma fatia de mercado que, definiria eu, está acima das chamadas “cervejas de massa” (Brahma, Antarctica, Skol, Itaipava, Nova Schin) e abaixo das consideradas “premium”, como a Heineken e mais algumas marcas das grandes fabricantes.
A idéia era usar a marca para lançar uma cerveja neste patamar de consumo, brigando diretamente com a Bohemia, da Ambev. A Schincariol gastou valores bastante expressivos em publicidade no sentido de posicionar a cerveja neste patamar, mas cometeu alguns erros, a meu ver.
O primeiro deles foi não ter dado tempo de esperar a marca maturar, visando uma participação de mercado dentro da meta atingida de forma rápida. A marca foi lançada há menos de dois anos e neste tempo já foi reposicionada tanto em sabor como em preço.
Hoje a Devassa “Bem Loura” – as cervejas originais da marca continuam sendo fabricadas – está bem mais fraca (deixando claro que, quando falo em ‘forte e fraco’, refiro-me à quantidade ou percepção de malte) e teve seu preço reduzido a fim de concorrer em uma espécie de nicho de mercado que não se diferencia nem por preço, nem por qualidade – embora particularmente ache a Devassa “Bem Loura”, ainda que mais fraca que a até boa cerveja original, ainda superior a marcas como Brahma e parecidas.
Falha estratégica
Outro erro, a meu ver, foi não ter reforçado a estratégia de distribuição por todo o mercado nacional, nem a exposição nos supermercados. Para o leitor ter uma idéia, quando estive de férias em Salvador em fevereiro a Devassa “Bem Loura” era a grande novidade por lá.
Resultado: a participação de mercado esperada, de 1,5%, reduziu-se a 0,2%. A fábrica ainda possui a questão de seu principal produto, a marca “Nova Schin” (a propósito, intragável), não ser aceita no mercado carioca, o que limita bastante suas possibilidades de crescimento.
Além dos fatores citados, parecia óbvio que a Schincariol era uma candidata à venda: o mercado de cervejas está cada vez mais concentrado no mundo, com as empresas InBev, Heineken e SAB-Miller dominando uma fatia superior a 60% do mercado mundial. A empresa brasileira era a segunda colocada em um mercado como o brasileiro, que hoje é o terceiro maior do mundo – atrás apenas de China e Estados Unidos.
Parecia claro que, ainda mais levando-se em conta o domínio da InBev (Ambev) – 69% do mercado, a empresa era candidata natural a ser absorvida por uma das grandes players mundiais. Surpreende um pouco ter sido adquirida pela Kirin, que é a sexta; mas também parece ser uma tentativa da empresa nipônnica de se expandir, ganhar escala e ela mesma não ser absorvida por uma das “Três Irmãs”.
A propósito, o mesmo raciocínio se aplica à Cervejaria Petrópolis, dona das marcas Itaipava, Petra e Weltenburger (esta sob licença), com 8% do mercado nacional e uma presença muito expressiva no Rio de Janeiro. Sua transferência de controle acionário é questão de tempo, e diria que a maior favorita é a Heineken, derrotada na compra da Schincariol.
Mas… E as cervejas especiais?
O leitor deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com o mercado brasileiro de cervejas especiais? Tudo.
A Schincariol, a partir de 2007, veio comprando marcas tradicionais de cervejas artesanais e especiais a fim de adquirir respeitabilidade para seu produto e sua marca. Foram compradas a carioca Devassa, a catarinense Eisenbahn (foto no início do post) e a paulista Baden Baden (acima).
Nos três casos o método adotado pela Schincariol foi o mesmo: atuar apenas na distribuição e na injeção de capital, mantendo a fabricação dos produtos nas mãos dos antigos donos. Tal estratégia mostrou-se acertada, porque a qualidade dos produtos não caiu e a distribuição melhorou bastante – embora de uns tempos para cá seja praticamente impossível achar a Baden Baden aqui no Rio, mesmo em lojas especializadas.
O mercado especial de cervejas brasileiro, embora não seja expressivo em comparação aos produtos de venda em massa – muitos deles nem deveriam ser chamados de cerveja, mas este é tema para outro post – é um produto de valor agregado alto e alta rentabilidade. Ou seja, é um nicho em forte crescimento e de boa lucratividade.
Estas marcas citadas são as principais deste mercado, e são a maior possibilidade daquele que não é apreciador da bebida “beber uma cerveja diferente”. Apesar do crescimento verificado, marcas como a Backer, a Wals, a Colorado e a Bamberg ainda são bem pequenas em comparação a estas pertencentes à Schicariol – embora com produtos de altíssima qualidade.
Além do fato de agora estas marcas pertencerem a uma empresa estrangeira, não se sabe se a Kirin manterá o modelo de produção adotado pela Schincariol, com alta qualidade e distribuição aceitável. Em que pese haver sido colocado no contrato de venda a manutenção destas marcas, não se sabe se o padrão de qualidade e as opções disponíveis serão mantidas.
Pelo que conheço da cultura japonesa (por questões religiosas) acredito que a Kirin a médio prazo irá impor seu método de produção, alterando totalmente a característica destas marcas especiais. E isto poderá ser um freio no crescimento deste mercado, por um lado, e diminuir as opções disponíveis por outro. Acredito também que deverá haver uma espécie de “ida às compras” sobre cervejarias como a Colorado e a Wals.
Só o tempo dirá o que vai acontecer. Mas esta transação impacta de forma significativa o mercado brasileiro de especiais e a disseminação da cultura cervejeira a um público mais ampliado – e a nós apreciadores, idem.
Finalizando, um bom exemplo da excelência da Eisenbahn é a cerveja “São Sebá”, que abre este post. Ela foi a vencedora de concurso realizado pela fábrica em 2010 e como prêmio foi fabricada pela empresa catarinense em série limitada. Ela é uma “Belgian Dubbel”, com o dobro de malte em relação ao normal e a adição de especiarias, o que se traduz em uma bebida muitíssimo saborosa.
Adquiri apenas três garrafas e me arrependi amargamente. È uma das melhores cervejas que já experimentei.
Esperemos que a Kirin mantenha este tipo de comportamento.
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* Pedro Migão é editor do blog Ouro de Tolo
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