por Alexandre Marcussi*
Aproveitei o último feriadão do dia 15 de novembro para viajar a Belo Horizonte a convite de um grande amigo de infância que as vicissitudes da vida separaram de mim no colegial. Como, por coincidência, esse meu amigo faz cerveja em casa, achei que o reencontro seria a oportunidade perfeita para conhecermos a fábrica da Wäls – que foi eleita no início de 2012 como a melhor cervejaria da América do Sul no South Beer Cup e que, sem fazer muito mistério, é uma das minhas cervejarias nacionais preferidas.
A Wäls iniciou suas atividades em 1999, produzindo chopes para uma rede de bares e lanchonetes da família Carneiro, proprietária também da cervejaria. Por muitos anos, a Wäls produziu apenas o clássico dueto de American lagers, uma clara e uma escura. Uma primeira tentativa de produzir estilos mais ousados, ainda no início da década de 2000, não teve boa receptividade do público. Era preciso esperar o momento oportuno, aquele em que, para parafrasear Maquiavel, a inegável virtù dos Carneiro encontraria a fortuna de um mercado mais receptivo à variedade cervejeira. O momento chegou em 2007, quando a cervejaria se alçou em grande estilo ao mercado das cervejas artesanais com o lançamento da Wäls Dubbel. Na época, tratava-se de uma receita pioneira, a primeira do estilo no Brasil, e uma das poucas então produzidas em terras tupiniquins seguindo estilos belgas.
De lá para cá, o portfolio da cervejaria não parou de aumentar: os antigos chopes deram lugar a duas lagers de personalidade, a Wäls Bohemian Pilsen e a X-Wäls, hoje responsáveis pela maior parte das vendas da cervejaria. A linha belga se enriqueceu com a Wäls Trippel, a Wäls Quadruppel, a Wäls Brut (provavelmente a mais ambiciosa das produções da cervejaria) e, mais recentemente, a Wäls Witte e a Wäls 42. No início de 2012, surgiu ainda, em parceria com os cervejeiros caseiros da Dum, do Paraná, a muito aguardada Wäls Petroleum, que faturou medalha de ouro no South Beer Cup. E não parou por aí: a Wäls está preparando para o final de 2012 ou início de 2013 o lançamento de mais um rótulo, desta vez em colaboração com a Brooklyn Brewery, de Nova Iorque: a Saison de Caipira, que levou caldo de cana na composição e que será vendida simultaneamente no Brasil e nos EUA. De dois para dez rótulos, em 5 anos. E não param os experimentos para possíveis novas cervejas.
Babação de ovo à parte, vou contar o que pude conferir na visita à fábrica.
Pois bem: no dia 17 de novembro, pleno sabadão de feriado prolongado, pela manhã (o que, para um ser notívago como eu, equivale a dizer “de madrugada”), partimos meu amigo e eu, e mais nossas queridíssimas cônjuges, em busca das instalações da Wäls, num bairro industrial próximo ao Campus Pampulha da UFMG. Achar a fábrica sem GPS não foi a tarefa mais fácil do mundo, já que ela não tem letreiro nenhuma na fachada; mas, uma vez que o portão se abriu e fomos recebidos com incrível hospitalidade por Tiago Carneiro, tranquilizamo-nos e aproveitamos a jornada.
Tiago, anfitrião à moda mineira, foi nos guiando por todas as partes da fábrica, desde os setores produtivos até os espaços onde a Wäls está projetando novas instalações para receber seu sedento público. A cervejaria conta com um equipamento de brassagem com capacidade para 20 hectolitros (2.000 litros) e 17 tanques de fermentação e maturação com a mesma capacidade – além, é claro, do maquinário para envase, rotulagem e pasteurização. Isso resulta em uma produção média de 35 mil litros por mês, somando todos os rótulos.
A surpresa ficou por conta do que vimos no piso inferior. A Wäls está reformando o prédio e montando uma adega para receber o público num ambiente rústico, lembrando uma taberna. O plano é abrir a cervejaria aos sábados para servir chope Wäls e apetitosos quitutes no almoço, como joelho de porco. O ambiente deve ficar pronto dentro de aproximadamente três meses. Vale lembrar que, além desse espaço a ser inaugurado futuramente, a Wäls serve todo o seu portfólio de chopes em dois bares da marca em Belo Horizonte: o Empório Serafina e o Stadt Jever. A taberna da fábrica virá para se somar a esses dois.
Ao lado desse novo espaço, pudemos conferir a cave onde é feita a maturação da Wäls Brut. Num ambiente escuro, com temperatura e umidade constantes (devido ao fato de ser subterrâneo), descansam 4 mil garrafas da Brut em pupitres. Elas se encontram em diversos estágios de sua longa maturação de 1 ano com leveduras de champagne – algumas recém-engarrafadas, outras próximas do momento fatídico da expelição e da finalização do processo, e outras ainda maturando sobre leveduras há muito mais de um ano, verdadeiras Wäls Brut millésimés guardadas como tesouro pelos irmãos Carneiro.
Tivemos a oportunidade de degustar e revisitar a Wäls Brut durante a visita. Esta é uma cerveja da qual já falei no meu blog pessoal. Desde seu lançamento, quando a provei pela primeira vez, até o presente, seu processo de produção sofreu algumas alterações, a mais importante das quais foi a ampliação do tempo de maturação sobre leveduras de 9 para 12 meses. Comparando mentalmente a nova Brut com aquela que eu já havia degustado antes, achei incrível a diferença que esses 3 meses a mais fizeram.
Não era a ocasião para uma avaliação detalhada da cerveja, mas foi fácil perceber que ela ficou decididamente mais ácida, ainda mais seca, e com aromas mais pronunciados da levedura de champagne, trazendo algo de notas animais lembrando couro e toques caprílicos e amendoados perceptíveis (chega a lembrar ligeiramente uma lambic, mas sem acidez lática e acética) ao lado dos aromas florais, frutados e de especiarias do estilo, estes menos acentuados do que antes. Se antes ela ficava mais próxima do perfil de outras bières brut, agora a Wäls definitivamente está fazendo uma cerveja de personalidade única, diferente de tudo o que há no mercado. Para quem a provou na época do seu lançamento, realmente vale a pena uma nova degustação. Acho até que uma versão millésimé, com 18 ou 24 meses de maturação sobre leveduras, talvez não seja uma má ideia para um futuro mais ou menos próximo.
Outra surpresa da visita ficou por conta desses seis barris que você vê na imagem acima. A Wäls adquiriu recentemente alguns barris de carvalho antes usados para maturar uísques escoceses single malt, e começou a fazer alguns experimentos com esses barris. Tiago Carneiro aposta que as cervejas envelhecidas em barris possam ser um horizonte futuro para a Wäls, e os barris que pudemos degustar trazem prospectos promissores. Provamos três experimentos da cervejaria: uma Wäls Quadruppel envelhecida em barril por quase um ano, uma Wäls Petroleum que está no barril por mais ou menos 3 meses, e um blend de várias ales mais fracas com adição de avelãs, que foi maturado em carvalho.
O blend com avelãs acabou sendo atropelado pela madeira e pela oxidação: talvez uma receita-base mais potente possa aguentar melhor o tranco. A Petroleum do barril mantinha ainda seu forte perfil de torrado, mas tinha se transmutado completamente nos três meses de madeira: adquiriu uma acidez lática forte, que a desequilibrou um pouco, e desenvolveu um intenso aroma lembrando acetona, que para mim remeteu à Duchesse de Bourgogne, uma Flanders red ale que adquire as mesmas características depois de maturar em carvalho. O maior destaque ficou por conta da Quadruppel envelhecida: ela mantinha ainda a forte doçura caramelada e frutada da cerveja-base, mas havia sido enriquecida por características intensas de oxidação e guarda: muito vinho do Porto e ameixas no aroma, madeira, algo de molho shoyu ou molho inglês e acético. No paladar, tornou-se solidamente salgada e acética. Eu a tomei com gosto assim mesmo, pura, mas entendo que é uma experiência radical, para pequenas doses. Segundo Tiago, estuda-se a possibilidade de utilizá-la como parte de um blend, para atenuar suas sensações mais extremas sem perder sua complexidade. Pelo menos para este fã de cervejas envelhecidas, promete!
Ao final, Tiago nos apresentou uma última surpresa antes de irmos. Ocorre que o mais novo projeto da Wäls havia sido brassado exatamente uma semana antes da nossa visita. Trata-se da Saison de Caipira, produzida em parceria com a Brooklyn Brewery. A cerveja leva caldo de cana na composição e será, portanto, um fermentado misto de grãos e cana-de-açúcar. Inclusive, enquanto estávamos lá, Tiago estava transmitindo informações sobre o andamento da cerveja para Garret Oliver, mestre-cervejeiro da Brooklyn e corresponsável pela produção. A fermentação estava sendo finalizada naqueles dias, e nós pudemos prová-la direto “da teta da vaca”, ainda sem maturação. Foi possível sentir um aroma esterificado bem característico do fermento belga da Brooklyn, que lembra algo entre tutti-frutti e dama-da-noite, ao lado de um aroma inconfundível de caldo de cana. A atenuação parece ter ido bem, de modo que ela estava menos doce do que eu esperava. Aguardo ansioso pelo lançamento, entre dezembro e janeiro.
Ficou com vontade de conhecer também a fábrica da Wäls? A cervejaria tem um programa de recepção de grupos de visitantes: basta se cadastrar no site e agendar a visita!
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