Publicado no blog do Guilherme Scalzilli
Mais uma vitória do conservadorismo banguela: o governo federal sancionou a lei 11705/08, que estabelece o limite de 2 decigramas de álcool por litro de sangue para os motoristas de todo o país. É o equivalente a meia taça de vinho. Quem apresentar índice maior, pagará multa de quase mil reais e pode ir preso.
Não adianta mostrar que a própria classe médica incentiva o consumo de vinho e cerveja nas refeições, como prevenção a doenças cardíacas. Ninguém pensou nos motivos que levam EUA, Inglaterra, França, França e Alemanha a adotar níveis no mínimo duas vezes maiores. Nem na estranha coincidência dos países que adotam restrição igual à brasileira: são sociedades repressivas (Rússia, Estônia, Mongólia, Argélia, Armênia) ou que dispõem de transporte público eficaz (Noruega, Suécia, Suíça).
Tampouco adianta argumentar que o proibicionismo burro só serve para incrementar o abuso policial. A partir de agora, toda blitz da PM incluirá o espetáculo do achaque contra inocentes. Adultos não ficam sequer alterados com meio copo de cerveja, mas preferirão pagar propinas de até oitocentos reais (ou mesmo superiores) para não perder a carteira de motorista, passar por vexames e responder a processo. Afinal, policiais mal-intencionados podem arruinar a vida do cidadão honesto apenas utilizando seu depoimento, com força de prova, durante o inquérito.
A repressão absoluta, seja qual for o apelido carinhoso que venha a receber (“limite zero”, “lei seca”, “ambiente livre do fumo”) já nasce como excrescência legal e quimera do autoritarismo controlador. Sua aplicação é impossível, porque faltam recursos materiais e humanos para um controle tão abrangente. Existem princípios de liberdade individual e livre-arbítrio que, violados, derretem qualquer legislação abusiva, por modernosa que pareça. E, em breve, mais esta lei cairá no esquecimento e no ridículo, fazendo companhia para a proibição de fumódromos e o kit de primeiros-socorros obrigatório (lembra?).
O ótimo documentário “Mondovino”, do francês radicado no Brasil Jonathan Nossiter, foi censurado na França, porque exibia pessoas sorvendo alegre e prazerosamente uma bebida milenar, de imenso valor cultural e reconhecidos benefícios à saúde. Eis onde pode chegar a boçalidade repressiva. Em lugar de educar a população e aplicar as leis já rigorosas existentes, os brucutus preferem simplesmente apagar a existência do problema, enfiando suas unhas sujas no lombo dos princípios democráticos.
Para se ter uma idéia da estupidez disso tudo, basta recorrer a aconselhamento jurídico. A maioria dos advogados sugere que o motorista se negue a realizar o teste com bafômetro, caso tenha certeza de que este o incriminará. É que existe uma tal Constituição da República, que permite ao cidadão negar-se a produzir provas contra si mesmo, tanto através de bafômetros quanto de exames de sangue. Restariam os depoimentos de policiais, delegados e peritos, que poderiam ser depois questionados ou contrabalanceados por outros. Parece inacreditável, mas a lei prevê punição para quem se apega aos princípios constitucionais. Neste caso, o melhor seria recorrer às instâncias cíveis superiores, provocando seu posicionamento definitivo.
Já disse antes e repito: aproveitem para comer torresmos, pois em breve algum sacripanta quererá proibi-los.
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EM TEMPO: Apenas para descontrair, segue abaixo a impagável contribuição do nosso amigo Flavio. O serviço oferecido sai mais barato do que pagar o guarda…
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