Movimento legítimo e oportuno
Durante o Festival Brasileiro da Cerveja ocorrido semana retrasada em Blumenau (SC), diversos cervejeiros mobilizaram-se para produzir e assinar a Carta de Blumenau, documento aberto endereçado ao governo federal, que pretende alertar a classe política sobre a injustiça fiscal pela qual vem padecendo o setor das microcervejarias brasileiras.
O objetivo do documento, em linhas gerais, é o atendimento de justas reivindicações dos cervejeiros (assista ao filme ao final deste post), e a motivação do movimento é nobre. Realmente, a se perpetuar a absurda carga tributária imposta às microcervejarias, a tendência é de fechamento de muitas empresas do setor, impactando empregos, turismo regional — e, de roldão, a própria cultura cervejeira ainda nascente neste país.
Este site BREJAS, e este escriba em particular, sempre foram militantes dessa causa — especialmente pela inclusão das microcervejarias no regime tributário do Simples Nacional — bastando consultar publicações passadas neste espaço. Todavia, em que pese a justiça da causa como um todo, há escorregões no movimento deflagrado semana retrasada, que merecem ser postos à discussão construtiva.
Protecionismo cervejeiro
Em dado momento do texto, há a frase: “Nos últimos tempos também temos sido afetados pela importação desenfreada de cervejas de qualidade duvidosa a preços baixos, de países sem nenhuma tradição cervejeira, como a Rússia, a Lituânia, a Jamaica etc. Essas cervejas vêm para o nosso mercado apenas para competir com o preço, pois no critério qualidade, as nossas são imensamente superiores“.
Trata-se de uma afirmação infeliz e desnecessária, a suscitar perguntas: Quem possui o direito de julgar “duvidosa” a qualidade das cervejas importadas — e, portanto, indignas de entrar no “nosso mercado”? Qual a razão do preconceito com os “países sem nenhuma tradição cervejeira”? Há países no mundo sem qualquer “tradição cervejeira” que vêm produzindo cervejas de reconhecida qualidade, como a Itália e, vejam só, o próprio Brasil! Dizer que as “nossas” cervejas são “imensamente superiores” é de uma imprecisão — pra não dizer arrogância — absurda, a estereotipar cervejas de alguns países estrangeiros como sendo “ruins” e todas as nacionais como superiores — o que, evidentemente, está longe de ser verdade.
Caso queira realmente crescer, o setor microcervejeiro brasileiro precisa ver-se livre de tentações protecionistas. É o que vem ocorrendo recentemente com o setor vinícola nacional, com o aumento do imposto de importação dos vinhos estrangeiros por pressão política dos produtores daqui. Como resultado, em represália ao absurdo, vários restaurantes estrelados vêm suprimindo em suas cartas os vinhos brasileiros, expondo o setor à execração nacional.
Os microcervejeiros brasileiros não podem cair na mesma armadilha burra. Requerer apoio do governo federal ao setor é pleitear menos impostos, desoneração de folha de pagamento, apoio em programas fiscais e outras frentes. E não barrar produtos estrangeiros sob alegações infundadas e vagas, como pretensa falta de qualidade e preço baixo.
Os blogueiros querem ajudar!
O movimento da Carta de Blumenau também chamou a atenção pelo improviso. Estive em Blumenau desde o início do evento, e só soube do que estava para acontecer poucas horas antes da assinatura da Carta.
Não falo apenas por mim: Quase todos — senão todos — os integrantes do coletivo Blogueiros Brasileiros de Cerveja (BBC) também não tinham nenhuma informação. Caso soubéssemos de antemão, poderíamos organizar, por exemplo, um “tuitaço” a exemplo do que aconteceu em maio de 2011 com a ação #cervejadeverdade, cuja hashtag permaneceu por um dia todo entre as mais acessadas do Twitter nacional. Ou outras ações análogas, objetivando dar maior visibilidade ao movimento dos microcervejeiros.
Infelizmente, apesar das indiscutíveis boas intenções, o que ficou evidenciado no movimento Carta de Blumenau foi o afogadilho e a tão decantada desunião dos microcervejeiros brasileiros, desprovidos de qualquer entidade legalmente constituída que os represente politicamente. Até quando o setor ficará passivamente a depender apenas de ações esparsas, improvisadas e unilaterais?
Faço ardentes votos que essas minhas palavras não sejam mal-entendidas pelos microcervejeiros — afinal, para algumas pessoas, expressão crítico-construtiva de opinião significa ofensa. Assim como todos nesse barco, também só quero ajudar.
Assista à declamação da Carta de Blumenau, em filme produzido pelo cineasta Fabio Hofnik, e formule suas próprias conclusões. E, claro, comente à vontade!
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